A versatilidade da Orquestra Sinfónica da Casa da Música
A Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música deu um concerto em Madrid que incluiu a primeira audição em Espanha de Ruf de Emmanuel Nunes e a Sinfonia nº 5 de Tchaikovsky.
A Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música apresentou-se este sábado na Sala Sinfónica do Auditório Nacional de Música em Madrid com um programa constituído por duas obras contrastantes: Ruf de Emmanuel Nunes (versão revista em 1982) e Sinfonia nº 5 em mi menor Op. 64 de Tchaikovsky. Este programa proporcionou ao público madrileno a primeira audição em Espanha da obra que projectou internacionalmente Emmanuel Nunes. Composta entre 1975 e 1977, Ruf pertence a um conjunto de obras cujo processo criativo assenta na exploração da relação entre o suporte electroacústico e os instrumentos acústicos. Este processo estimulou o desenvolvimento de um discurso musical no qual a estruturação dos parâmetros sonoros (o ritmo, a harmonia, a melodia, o timbre e a intensidade) é profundamente influenciada pela espacialização do som. Apesar de a obra ter sido concebida com suporte electroacústico o compositor indica que ela pode ser executada sem este, tendo sido a opção tomada para o concerto em Madrid.
A partitura apresenta relações estruturais intrínsecas que exigem ao maestro e aos instrumentistas uma boa capacidade de manutenção do equilíbrio sonoro e do fluxo do discurso musical. Os 45 instrumentistas posicionaram-se no palco numa organização simétrica na qual se destaca a colocação dos dois percussionistas e dos instrumentos de registo grave nas zonas laterais. A orquestra executou a obra com segurança tendo respondido de forma eficaz aos desafios por ela colocados. São especialmente dignas de destaque a execução das complexas texturas rítmicas da segunda parte e também a capacidade expressiva demonstrada nas partes que apelam a uma interpretação de natureza expressionista, em particular no final da obra. A boa acústica do Auditório Nacional de Madrid também contribuiu de forma significativa para uma experiência auditiva muito enriquecedora.
Na segunda parte a orquestra apresentou-se com cerca do dobro dos instrumentistas para a execução da Sinfonia nº 5 de Tchaikovski. Esta obra do final do século XIX, que se enquadra num universo estético completamente distinto, exigiu que a orquestra assumisse o lirismo e o pathos marcadamente romântico que a caracterizam. A sinfonia foi executada com assinalável profundidade expressiva e com um bom sentido dramático. É digno de realce o bom desempenho dos solistas nas exposições temáticas, assim como dos vários naipes, destacando-se em particular a sua capacidade lírica, que se manifesta de forma natural neste repertório. A direcção do maestro Baldur Brönnimann foi assertiva e repleta de intencionalidade dramática, seguindo o percurso narrativo da obra que é definido pelo tema cíclico que percorre os quatros movimentos. O maestro demonstrou justeza nas mudanças de tempo e recorreu a flutuações de andamento nos temas mais líricos de uma forma eficaz e particularmente expressiva.
Algumas das passagens em tutti no primeiro andamento e na coda do quarto andamento apresentaram algum desequilíbrio sonoro, com uma projecção exagerada em alguns instrumentos, demonstrando uma provável falta de adaptação à acústica da sala.
O público presente manifestou um certo conservadorismo relativamente ao repertório mais recente aplaudindo timidamente a execução de Ruf, por outro lado revelou falta de propósito nas suas intervenções aplaudindo inusitadamente entre os andamentos da obra de Tchaikovsky. Foi sem dúvida um concerto onde ficou patente a evolução da orquestra em qualidade e versatilidade revelando mais uma vez a concordância com os seus objectivos originais, nomeadamente, a interpretação ampla de repertório desde o classicismo ao século XXI e a valorização e divulgação da obra de compositores portugueses.