Entre os vários meios de que os arquitectos dispõem para trabalhar as suas obras, dificilmente poderíamos identificar outro com um carácter tão decisivo como a Luz. Qualidades essenciais da arquitectura como a matéria, a escala, a forma, a cor, ou num sentido mais ambíguo a atmosfera de um espaço, só são activados, completados ou perceptíveis, sob a acção da luz. Além destes aspectos mais óbvios, a luz é o meio que melhor expõe uma condição limite da existência do Homem, o carácter fugaz da vida face ao passar do tempo e à noção de eternidade.
Nada nos transmite de forma mais óbvia a noção de eternidade do que um feixe de luz que se desloca através de um espaço. Dia após dia, ano após ano, paredes, tectos e chão cedem ao desgaste provocado pelo tempo, mas, imperturbável o feixe de luz continuará sempre a cruzar aquele espaço. À luz está permanentemente associada uma noção de temporalidade.
Quando falam sobre este tema, os arquitectos recorrem frequentemente ao Panteão de Roma, um edifício seminal a muitos níveis. É sem dúvida um dos exemplos mais notáveis da dimensão temporal da luz e do seu carácter “mágico“. Através do óculo circular aberto no topo da cúpula, passa diariamente um feixe de luz que marca a passagem do tempo no sentido inverso ao de um relógio de sol. E, é também a evolução do tempo que através dessa abertura podemos ver no céu.
O fascínio por aquele ícone da arquitectura está bem presente na obra de Alberto Campo Baeza, o arquitecto espanhol que se refere à luz como o material mais luxuoso com que os arquitectos trabalham. Não se estranha por isso que Baeza, que aborda reiteradamente este tema nas suas reflexões, chegue mesmo a conferir à luz sólida - designação sua - uma aura transcendente: como um milagre, quando a luz chega, parece que conseguimos tocar o tempo. Algo que, parecendo inacessível, está ao nosso alcance e nos comove.
Mudando o olhar para a cultura oriental, recordo um pequeno livro de Junichiro Tanizaki, onde reflecte a forma muito diferente como ocidentais e orientais encaram a luz ou a sombra - ou penumbra, mais valorizada por estes últimos. De maneira mais densa, Tanizaki exalta o universo ambíguo da claridade difusa das paredes de madeira e papel das casas tradicionais japonesas - Shôji, onde sombra e luz se confundem, se perde a noção de tempo e experimentamos uma espécie de apreensão que é a que sentimos face à eternidade.
A meio caminho entre Ocidente e Oriente, uma viagem recente através do Irão demonstrou-me uma vez mais a extrema mestria como os povos daquela região desenvolveram o trabalho em torno da luz. A visita ao bazar de qualquer das suas cidades é um bom exemplo, mas, sem dúvida que o momento mais extraordinário foi a visita às mesquitas de Naqsh-e Jahan, a monumental praça central de Isfahan, cidade milenar daquele país. A luz “granulada“, nem difusa nem verdadeiramente sólida, uma luz “de outro mundo“, desce ao solo a partir dos lanternins superiores, remetendo-nos inevitavelmente para outros níveis de relação com a arquitectura, mas sem dúvida também da nossa existência.
Das minhas leituras, cito com frequência uma alusão do arquitecto Suíço Peter Zumthor a uma passagem de “The World Behind Dukla“, o livro de Andrzej Stasiuk onde revela que sempre quis escrever um livro sobre a luz e confessa que não consegue pensar em nada que lhe lembre tanto a eternidade. Estas palavras expõem tanto a importância e vastidão deste território, como o quão insignificante ou superficial se pode tornar abordá-lo neste meu curto texto.
José Mateus, 31 de Agosto de 2015*
*Fundou com Nuno Mateus o atelier ARX Portugal (1991) cujo trabalho tem merecido diversas distinções, a nível nacional e internacional. É associado e presidente executivo da Direcção da Trienal de Arquitectura de Lisboa. Desde 2012 integra a Bolsa de Peritos do Conselho Consultivo para a Arte em espaço Público da cidade de Lisboa.