Um viajante no tempo chamado Morton Subotnick

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Kaz Morton Subotnick anja koehler

Em 1967, imaginou o futuro com um dos primeiros sintetizadores. Hoje, aos 78 anos, continua a procurá-lo. Um pioneiro da electrónica na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa

Lá longe no passado, um clarinetista teve um vislumbre de futuro. Perseguiu-o, imaginou-o, deu-lhe forma. Para o conseguir, abandonou o clarinete, pôs de lado os métodos tradicionais de criação musical e atirou-se ao desconhecido: criou a música que um homem cem anos e cinco gerações depois do seu tempo ouviria em casa, entregue ao som como experiência individual.

Morton Subotnick, hoje com 78 anos, é esse homem, o que vislumbrou o futuro e que lhe deu forma num disco intitulado Golden Apples of the Moon, obra histórica e visionária, gravada com um sintetizador analógico em 1967, e que se tornou um ponto de partida essencial para toda a música electrónica que se lhe seguiu. Esta noite, apresenta-se na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa (23h, bilhetes a 10 euros).

O futuro chegou mais rápido do que imaginou - não foram necessários cem anos - e ele, ao telefone desde Bremen, desarma-nos: "Nunca esperei estar aqui. Sinto que sou um viajante no tempo."

Eis então o que veremos, simbolicamente, no concerto: um visionário de 78 anos que se sente a viajar no tempo e "pessoas mais novas [o público] que se sentirão também elas viajantes, olhando alguém vindo do passado".

Tudo começou em 1961, conta Subotnick. No Mills College, em Oakland, onde estudaram também Steve Reich e Terry Riley, nomes destacados da vanguarda musical do século XX, Subotnick tocava ainda clarinete. Nada percebia de electrónica, mas sentiu que se vivia um "momento histórico essencial, em que tudo iria mudar". Os equipamentos de gravação estavam a mudar, o transístor surgia para tornar o equipamento electrónico mais acessível, em preço e dimensão, e, "factor decisivo", tudo podia ser adquirido a crédito. "Essa conjugação de factores sugeriu a muitos de nós, incluindo, por exemplo, Marshall MacLuhan [autor de O Meio É a Mensagem], que tudo iria mudar." Musicalmente, Morton Subotnick antecipou aquilo que hoje é realidade comum, banalizada. A criação electrónica de música, em que o compositor "é um artista de estúdio" que "trabalha em casa, sem necessitar de formação musical".

Deixou o clarinete, pôs um anúncio no jornal, em busca de alguém com os conhecimentos técnicos necessários à concretização do que idealizara, e entrou-lhe pela casa dentro Don Buchla. Dias depois, tinha em mãos um sintetizador analógico, hoje conhecido como Buchla - um dos pioneiros, a par do Moog - e antecessor do modelo que trará a Portugal.

De outro planeta

Silver Apples of the Moon, composto ao longo de 13 meses, "dez horas por dia, seis dias por semana", a pedido da editora Nonesuch, transformou Subotnick em estrela improvável. Aquela música na qual submergimos lentamente, laboriosamente gravada em fita, qual pulsação electrónica de loops e fantasia espacial abstracta, qual coração humano batendo em circuito integrado, era inclassificável - à falta de melhor definição, arrumaram-na na prateleira de "clássica" -, mas chegou ao topo das tabelas de vendas. Conta Subotnick que "as pessoas sentiam-na como se tivesse vindo de outro planeta". Ainda assim, "o mundo das artes não ficou entusiasmado, e o ouvinte médio não ouvia nada nela para além de ruído". Muitos, porém, "sintonizaram-se com as novas tecnologias e com esta música futurista que classificavam como marciana". Entre risos, recorda-se das cartas que recebia, onde eram descritas paisagens habitadas por criaturas verdes e onde se lhe perguntava se era objectivo do autor convocar tais imagens. Não, não era.

Ouvimos hoje Silver Apples of the Moon ou o seu reverso negro, The Wild Bull, o álbum que lhe sucedeu, e sentimos ainda que mergulhamos no futuro. Isso não surpreende o seu criador. "A ausência de orientação de um teclado cria essa sensação." Subotnick trabalhava o que classificou como "ecstatic moments" [momentos de êxtase]. "Não me baseio em "ta ta tam" [canta um andamento musical], mas em som e energia, em espaço e movimento" - talvez por isso bailarinos e coreógrafos tenham sido dos primeiros a responder à sua música, relação que se manteve ao longo do seu percurso.

Silver Apples of the Moon era Morton Subotnick a imaginar um tempo no futuro em que a experiência musical fosse individualizada - "música para sala de estar: [as pessoas] chegariam a casa, desligariam as luzes, sentar-se-iam numa cadeira e ouviriam precisamente aquilo que quereriam". Nos dez anos seguintes trabalhou sobre essa ideia - e "agora temos o iPod", ironiza.

No seu percurso, trabalhou a voz humana, acrescentou instrumentos acústicos à sua criatividade, pô-los em confronto com "fantasmas electrónicos" e foi incorporando na sua obra a evolução tecnológica.

Hoje, na ZDB, não estará sozinho. A música que gravou em disco não existe para o palco - é pensada para fruição caseira. Ao vivo, acompanhado pelo artista multimédia Tony Martin, colaborador desde o longínquo 1963, pretende "uma experiência que envolva o público, sónica e visualmente": "uma competição paralela entre luz e som".

Trará a música de Silver Apples of the Moon, naturalmente, trará o sintetizador Buchla e um laptop. "Será um remix do meu trabalho, revisitado de forma improvisada." O futuro já chegou, mas Morton Subotnick, 78 anos, continua à procura.

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