Um museu em Tours é uma lança em África para a dupla Aires Mateus
Manuel e Francisco Aires Mateus foram escolhidos entre 110 candidatos internacionais para a construção do novo Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré, a inaugurar em 2015
Serão cerca de 1700 metros quadrados de área expositiva numa zona total de 4000 metros quadrados de intervenção arquitectónica no centro de Tours, a maior cidade do próspero Vale do Loire. Um edifício museológico a juntar à torre habitacional para Paris cujo concurso ganharam no Verão. Para a dupla Manuel e Francisco Aires Mateus, França começa, assim, a funcionar como montra internacional, podendo vir a potenciar toda uma nova etapa de carreira, diz o arquitecto e crítico de arquitectura Diogo Seixas Lopes: "É uma lança em África, o coroar lógico e justo de um percurso com imenso investimento, trabalho e ambição."
Em Zurique, a concluir o doutoramento na prestigiada EHT (Eidgenössische Technische Hochschule), Diogo Seixas Lopes não conhecia ontem, ainda, o projecto vencedor para o Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré, apresentado segunda-feira à tarde em Tours, na mesma conferência em que foi tornado público o resultado de um concurso internacional com 110 candidaturas e quatro finalistas (dois ateliers franceses e um espanhol, para além do português). Seixas Lopes é, contudo, um dos maiores conhecedores do trabalho destes irmãos, tendo comissariado a mostra retrospectiva que, em 2005, o Centro Cultural de Belém lhes dedicou e que, com a inauguração do Centro de Artes de Sines, no mesmo ano, lhes valeu o prémio AICA de 2006.
Com a "vontade de futuro" que revelava, essa exposição afigurou-se-lhe, à época, para a dupla, como "a antecâmara de uma carreira internacional a todo o gás". Uma visão que agora se cumpre para uma dupla que já ganhou vários concursos internacionais, mas que, até agora, tem construídos apenas um centro comercial, perto de Veneza, em Itália, e um hotel em Dublin, Irlanda - a entrar em obra está o Museu dos Contos, em Málaga, Espanha. "Estava a demorar um bocadinho, mas felizmente aconteceu. E é inteiramente merecido."
O projecto de Tours, que deverá estar pronto a inaugurar em 2015, é completamente diferente do de Paris. Desde logo por se tratar de um equipamento cultural público, em vez de um espaço habitacional. Por outro lado, ao contrário de Paris, não se trata de uma construção de raiz, antes da reconfiguração de uma pré-existência, um conjunto de dois edifícios de finais década de 50 do século passado.
Pensado e construído pelo arquitecto Jacques Boille para servir como Escola de Belas-Artes, o conjunto foi inaugurado em 1958. Substituiu o anterior, de 1760, destruído no Verão de 1940, durante os bombardeamentos alemães que arrasaram parte do centro de Tours, na altura, sede temporária do Governo francês.
Com a escola entretanto deslocalizada, a transformação do conjunto num centro dedicado à obra pictórica do abstraccionista Olivier Debré está prevista desde 2008, tendo vindo a ser sucessivamente adiada.
"Não podíamos construir nada de raiz porque não era possível modificar fundações", explicava ontem ao PÚBLICO, ao telefone, de Paris, Francisco Aires Mateus, referindo o entrave a escavações constituído pelo legado arqueológico da cidade. Vindo da Idade Média, esse legado - em grande parte militar - passa, entre outros momentos, pela Batalha de Tours (também conhecida como de Poitiers) e os bombardeamentos da II Guerra Mundial. Face a essa impossibilidade, e à necessidade de avançar rapidamente com o projecto expressa pelas autoridades locais, restava intervir sobre o que existia, explica ainda o arquitecto. "O desafio foi descobrir uma inteligência ao nível da estabilidade."
A intervenção no edifício nobre da escola, a manter como entrada, será no sentido do seu esvaziamento, transformando-o numa Grande Nave, uma área aberta de cerca de 300 metros quadrados, com 28 metros por 11 e um pé direito também de 11 metros. Prevê-se, aqui, a exibição, por exemplo, de instalações de grandes dimensões.
As pedras da frontaria serão preservadas, bem como os restantes materiais construtivos, sendo a principal intervenção, neste bloco, o prolongamento do chão em pedra da rua para o interior do edifício.
Segundo Francisco Aires Mateus, este corpo "mais qualificado" e mais alto, "parecido com um edifício do século XIX", relacionava-se "mal" com o segundo edifício, num "convívio estranho" em que será introduzido "um corte". "O edifício de trás é maciço. Assentará num plano de vidro que fará o corte e o diálogo entre os dois", em corredor.
Como explicam os arquitectos no comunicado de imprensa: "Trata-se de isolar dois volumes, dois elementos que pertencem a épocas e destinos diferentes. O novo volume encontra-se justaposto, opondo-se pela ausência de escala e de temporalidade."
Neste ponto, a intervenção procura responder a uma "aspiração de grande comunicação com a população", mas também contornar as condições construtivas com que a dupla se confrontou.
"Sobre o corpo de trás era possível fazer um alargamento de um metro e meio em cada lado", explica o arquitecto. Ao nível térreo, o corredor de vidro responde a essa possibilidade, surgindo como uma espécie de anel ou longo candeeiro de luz em volta de uma sala de exposição de cerca de 600 metros quadrados, com 30 metros por 22 e um pé direito de três.
Para além da cave, onde ficarão as reservas do centro, fundadas sobre o espólio de Olivier Debré, este edifício tem um piso superior, que a dupla de arquitectos aumentou para cima e para os lados, sobre colunas, "como um chapéu apoiado na periferia do edifício".
Ao centro ficará a Sala Olivier Debré - cerca de 500 metros quadrados de área expositiva, com 22 metros por 18 e um pé direito de seis metros. "Um grande vazio escavado pela luz." Em volta ficarão espaços expositivos mais pequenos. Galerias - para a exibição de vídeo ou pequenos formatos - que "gravitam em volta da sala Olivier Debré".
"O CCC quer apresentar todas as diversas abordagens da arte contemporânea. Quisemos oferecer diversas tipologias de espaços para as diversas tipologias de obra que os artistas possam encontrar", diz ainda Francisco Aires Mateus.
Será uma obra de cerca de 9 milhões de euros - 13 milhões, contando com a instalação do centro. Optimista quanto ao processo de trabalho com as autoridades de Tours, o arquitecto diz que "as pouquíssimas reuniões de trabalho", até agora, apontam para "um clima de grande cooperação e descoberta comum com pessoas de grande exigência mas também grande cultura".
Mostra também, por outro lado, grande tranquilidade em relação à exequibilidade do projecto: "São cerca de 4000 metros quadrados. É uma escala que nos é possível controlar. Não é um edifício enorme, nem uma missão impossível."
Em 2006, a propósito do prémio AICA, Diogo Seixas Lopes dizia: "O radicalismo do trabalho dos Aires Mateus passa bastante pela abstracção quase irreal como as obras são desenhadas e construídas. É um trabalho que se expõe, não avança a medo nem numa direcção moderada." A propósito de Tours, acrescenta agora: "Além dos projectos, o que tem mesmo que se construir em arquitectura é um corpo de oportunidades cada vez mais importante e gratificante. Esta oportunidade vai expandir a arquitectura deles."