Suspeito de optimismo
É hoje o dia da decisão do Cartoon d'Or, prémio anual para a melhor curta-metragem da animação europeia. A distinção será anunciada esta noite no final do Fórum Cartoon de Visby. Na corrida está "A Suspeita", de José Miguel Ribeiro, que confessa: "Nao estou à espera de nada, e estou à espera de tudo".
É naquele estado de ansiedade de quem já atingiu o patamar do reconhecimento europeu para o seu trabalho mas ao mesmo tempo espera poder dar um salto ainda maior para uma projecção internacional que se encontra José Miguel Ribeiro, realizador de "A Suspeita", um dos cinco filmes nomeados para o Cartoon d'Or, que hoje à noite vai ser atribuído na sessäo de encerramento do XI Fórum Cartoon, a decorrer em Visby, na ilha sueca de Gotland.O jovem animador português tem boas razões para esperar uma consagração ainda maior para o seu filme, em primeiro lugar pela sua qualidade evidente, mas também pela boa recepção que está a ter junto de muitos participantes no Fórum que tiveram a oportunidade de o ver. "O mais importante foi ter chegado aqui, com a nomeação do filme, que para mim foi uma autêntica surpresa", confessava ontem José Miguel Ribeiro ao PÚBLICO. Mas não escondia a sua expectativa perante a decisão de hoje à noite. "Não estou à espera de nada, e estou à espera de tudo", disse."A Suspeita" é uma média-metragem de 25 minutos que consegue prender o espectador do princípio ao fim, no acompanhamento da aventura de quatro vulgares personagens numa viagem de comboio, um dos quais deverá ser o suspeito autor de uma série de assassinatos perpetrados naquela linha de caminho de ferro... A associação da atmosfera de "suspense" do filme ao universo hitchcockiano não escapou aos responsáveis do Cartoon d'Or, que para maior eficácia da festa de logo à noite - os europeus a copiar cada vez mais o modelo de Hollywood! - pediram já a José Miguel Ribeiro que antecipasse a sua resposta a uma pergunta protocolar precisamente sobre a relação com o mestre britânico. O realizador português dirá que naturalmente "Hitchcock é sempre uma referência", como o são os bonecos de Nick Park (autor de "A Fuga das Galinhas"), ou a animação de Mark Baker, ou ainda o grafismo da banda desenhada. Desde que lhe surgiu a ideia e a hipótese de fazer o seu filme, o autor de "A Suspeita" viu inúmeros filmes passados em comboios, nomeadamente "A Desaparecida", de Hitchcock, e "Crime no Expresso do Oriente", de Sidney Lumet. A sua principal preocupação foi de ordem técnica: ver como esses realizadores colocavam a câmara para filmarem o interior da cabine de um comboio em movimento, para conseguir a melhor solução para "A Suspeita". Mas adianta que para o décor e para a caracterização dos personagens se inspirou principalmente na banda desenhada, uma arte que pratica em paralelo com a animação. O resto foi a sua imaginação pessoal e o trabalho de equipa: Gonçalo Teles, Levina Valentim e Virgílio Almeida escreveram a história, Carlos Cunha tratou da iluminação e Bernardo Devlin da música.José Miguel Ribeiro pensou na história de "A Suspeita" no decorrer da sua experiência de viajante de comboio, entre Lisboa e o Porto, quando em 1994 frequentava um curso no estúdio portuense Filmógrafo. "Habituei-me a observar o comportamento dos passageiros e quis transmitir isso às pessoas contando uma boa história". Independentemente da sua sorte na noite do Cartoon d'Or - que será discutida com os também jovens animadores Benoît Féroumont, belga, com "BZZ"; Siri Melchior, dinamarquesa, com "Passport"; Fabien Drouet, francês, com "Ponpon"; e Jonathan Hodgson, inglês, com "The Man with the Beautiful Eyes" -, a aposta está já ganha, com uma carreira nacional e internacional que faz de "A Suspeita" o filme mais premiado da história da animação portuguesa. O melhor prémio será, contudo, a chegada do filme ao grande público através das salas de cinema. Para conseguir isso - o filme deverá ser distribuído no final do ano pela empresa de Paulo Branco -, Ribeiro e o seu produtor da Zeppelin Filmes, Luís da Matta Almeida, tiveram de refazer "A Suspeita" para uma versão de 15 minutos. O trabalho está quase concluído e Ribeiro não teme o resultado: "Diminuímos um pouco os tempos mortos e está tudo com mais ritmo. Costumo dizer que passámos de um comboio regional para o TGV"..."A Suspeita" tem também já garantida a distribuição internacional através do Canal Plus espanhol e francês, da cadeia franco-alemã Arte e da empresa americana Atom Films. Em Portugal, está ainda a ser preparada a distribuição em vídeo e a edição de um livro sobre o "making off" do filme. Por outro lado, a exposição apresentada em Junho passado em Lisboa, deverá agora ser apresentada na estação de S. Bento, no âmbito do Porto 2001.Entretanto, Ribeiro vai trabalhando no seu novo projecto - "As Coisas Lá de Casa" -, que será uma série de 26 "sketches" sobre pequenas histórias do quotidiano, escritas por Elsa de Barros. O prémio de cinco mil contos do Cartoon d'Or seria uma boa ajuda para a montagem deste novo projecto, que tem já assegurado um apoio de 20 mil contos do Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimédia.