Portugal ficou de luto pelo ditador alemão
A 2 de Maio de 1945, dois dias depois do suicídio de Adolf Hitler no seu bunker em Berlim, Portugal, apesar de ser um país neutral, esteve de luto pelo ditador nazi. O que sabia António Oliveira Salazar do Holocausto quando declarou luto nacional? Dois estudiosos do salazarismo dizem que Salazar, presidente do Conselho português e ministro dos Negócios Estrangeiros, estava ao corrente da existência de campos de extermínio nazis, como o de Auschwitz, e também sabia dos esforços de diplomatas portugueses, como Aristides Sousa Mendes e Sampaio Garrido, para salvar judeus, dando-lhes passaportes e protecção diplomática.
Três anos antes do fim da guerra, Salazar já conhecia relatos do horror dos campos nazis, mas talvez tenha concordado com o parecer da censura, segundo a qual as descrições do jornal católico português A Voz eram "fantasiosas ou pelo menos exageradas". O texto em causa deveria ter sido publicado no primeiro dia do ano de 1942, mas os censores cortaram "algumas frases do artigo por atribuírem "aos alemães a prática das maiores crueldades contra as crianças" e que por serem "de tal maneira horrorosas"" só poderiam ser fantasiosas, segundo cita a historiadora Irene Pimentel. O artigo intitulava-se Piores entradas e foi enviado a Salazar pela censura.
Na posse do governo português estava também, pelo menos desde Novembro de 1944, o relatório presencial de dois judeus fugidos dois anos depois de Auschwitz, Rudolf Vrba e Alfred Wetzler. O historiador António Louçã considera que o facto de a diplomacia portuguesa ter recebido este relatório prova que o Estado Novo estava ao corrente dos crimes de guerra nazis, muito antes do caso do luto nacional pela morte de Hitler.
Hitler suicidou-se com um tiro na boca a 30 de Abril de 1945. Nessa altura já as tropas russas tinham entrado em Berlim e estavam a um quarteirão do refúgio onde o ditador alemão passou os últimos dias, um bunker localizado sob a chancelaria. Dois dias depois foi declarado luto nacional em Portugal: a 2 de Maio de 1945 foi ordenada "a colocação das bandeiras a meia haste pela morte de Hitler, um chefe de Estado estrangeiro", escreve o historiador Fernando Rosas.
Irene Pimentel lembra o "legalismo" do Estado Novo e descarta a possibilidade de o luto nacional ter sido declarado por afinidades ideológicas com o regime nazi. Salazar não era um "pró-nazi", era mais um "conservador católico" e o seu regime não teve "a componente racista e anti-semita", diz Pimentel. Mas "ele nunca quis a derrota [da Alemanha], queria a assinatura de uma paz em que não houvesse vencedores nem vencidos, o que era absurdo naquela altura".
O luto provocou "uma onda de protestos internacionais e grande escândalo interno", escreve Rosas. Passados oito dias do luto nacional, "Salazar ordenava que não se fizessem mais referências públicas ao assunto que tinha sido "malevolamente explorado"", segundo Pimentel. Ao mesmo tempo que decretou o luto, Salazar congelou os bens alemães e deixou que a comissão interaliada fechasse as escolas alemãs de Lisboa e do Porto, salienta Irene Pimentel. João pacheco