Dois séculos depois, uma oratória para D. Maria I volta à vida no Terras sem Sombra
Depois de mais de dois séculos adormecida, La Betulia Liberata, de Pugnani, tem estreia moderna em Castro Verde
O Festival Terras sem Sombra chega esta noite ao fim com a estreia moderna de La Betulia Liberata, oratória do compositor italiano Gaetano Pugnani (1731-1798), dedicada à rainha D. Maria I. O concerto é às 21h30 na Basílica Real de Castro Verde, monumento do tempo de D. João V famoso pela qualidade das suas condições acústicas, e terá como intérpretes a Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por Donato Renzetti, e um grupo de solistas formado pelos cantores Raquel Alão, Carmen Romeu, Mikeldi Atxalandabaso, Marifé Nogales, Mário João Alves e Luís Rodrigues.
"Pouco antes de vir para Lisboa ocupar o cargo de director do Teatro de S. Carlos, em 2001, o meu colega Giovanni Morelli [da Universidade de Veneza] ofereceu-me o Catálogo de Música Manuscrita da Biblioteca da Ajuda e fiquei impressionado com a quantidade e qualidade da colecção", contou ao PÚBLICO Paolo Pinamonti, director artístico do festival. "Foi aí que descobri esta oratória escrita a partir do célebre libreto de Metastasio, também usado por compositores como Jommelli, Mozart e Salieri." Em colaboração com o musicólogo Pietro Dossena foi realizada uma edição da partitura por iniciativa do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, organizadora do festival - está prevista uma publicação futura.
Um dos exemplares do libreto que menciona Portugal foi localizado por Pinamonti na colecção Rolandi de Veneza e tem a data de 1773. Um ano antes tinha sido apresentada no Palácio de Queluz a serenata Issea, também da autoria de Pugnani. A partitura de La Betulia...é uma cópia manuscrita dedicada a "Sua Maestà Fedelissima La Regina di Portogallo", pelo que terá sido enviada pelo compositor já depois de 1777, data em que D. Maria I subiu ao trono. Em 1787 o escritor, músico diletante e viajante britânico William Beckford escrevia no seu diário: "A Capela da Rainha de Portugal é ainda a primeira da Europa, em termos de excelência vocal e instrumental; nenhum outro estabelecimento desta natureza, sem excepção do do Papa, se pode gabar de semelhante concentração de músicos admiráveis."
Na Biblioteca da Ajuda, detentora de uma das maiores colecções europeias de ópera italiana setecentista, existem mais cinco óperas de Pugnani com datas entre 1772 e 1789, mas o compositor nunca chegou a vir a Portugal. Pinamonti refere que La Betulia..., cujo libreto se inspira no Livro de Judite do Antigo Testamento e na resistência dos macabeus à opressão de Nabucodonosor, "tem árias muito bem escritas e diversificadas, várias com instrumentos concertantes". Pugnani distinguiu-se como violinista e compositor, com uma assinalável carreira em Itália e nalguns outros centros europeus, nomeadamente Paris, Londres e Viena.