Um filme contra uma “especialidade portuguesa”: o esquecimento

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"O Fantasma do Novais" estreia neste domingo em Guimarães Imagem: DR

No início do filme ouvimos dizer: “Ele foi um homem discreto que não quis deixar marcas”. E é um pouco isso que vemos, 40 anos após a morte de Novais Teixeira. Terá sido um dos portugueses mais activos política e culturalmente no século XX, mas permanece um ilustre desconhecido. Margarida Gil chama-lhe “fantasma” na obra sobre a vida deste jornalista e crítico de cinema que estreia neste domingo.

“Esquecer as grandes figuras”, é uma “grande especialidade portuguesa”, critica a realizadora que, no último ano, foi a Espanha, ao Brasil e a França falar com aqueles que conviveram com Novais. Encontrou uma vida preenchida.

O cinema português “deve-lhe muito”, diz, e algumas das figuras com quem se cruzou foram muito influenciadas pelo crítico, nascido em Guimarães. Mas durante este tempo “nunca falaram nele”.

“O Fantasma do Novais” é uma encomenda da Capital Europeia da Cultura – Guimarães 2012, que estreia domingo, às 21h30, no Centro de Artes São Mamede. A obra cruza um registo de documentário com ficção, uma opção “híbrida” que Margarida Gil justifica pela dificuldade que sentiu em filmar uma “assombração benigna”. Novais Teixeira já cá não está, mas todos os que falam dele fazem-no com um sorriso, como se sentissem a sua presença. E era por isso necessário colocar “todos os dispositivos narrativos e técnicos” ao serviço desta história.

No filme, Cleia Almeida é Ana, uma jovem realizadora que está em Guimarães à procura de terminar um documentário sobre Novais. A jovem é a própria Margarida Gil, que conheceu o crítico de cinema quando tinha 21 anos. Foi isso que a levou a aceitar logo o convite da Guimarães 2012, usando a produção para concretizar aquilo que teve vontade desde o primeiro contacto com Novais, que era conhecer melhor alguém que lhe tinha deixado uma impressão muito forte.

Novais Teixeira influenciou a vida de muitos dos que com ele conviveram e que tomam parte desta longa-metragem: O escritor Rentes de Carvalho, o crítico literário brasileiro António Cândido, o pintor Júlio Pomar ou o cineasta Manoel de Oliveira, que se comove a falar de Novais. “É isso que lhe dá a dimensão, quando percebemos quem foram as pessoas que ele influenciou”, comenta Margarida Gil.

O crítico saiu de Portugal por causa da sua ligação ao movimento falhado da Monarquia do Norte, em 1919. Chegou a Madrid e acabou rendido aos ideais republicanos, envolvendo-se na luta política espanhola, tendo sido secretário de Imprensa da República espanhola. Foi ali também que acolheu Almada Negreiros, privou com Picasso e Dalí e, em particular, com Buñuel. No filme, de resto, o filho do cineasta surrealista confessa a admiração que o pai tinha por Novais e a amizade que os unia.

O triunfo franquista fê-lo voltar a mudar-se, desta feita para França, onde vai intensificar a sua relação com o cinema. Naquele tempo era um dos mais respeitados críticos no país, tendo integrado o júri do festival de Cannes – mais tarde também foi convidado por Berlim –, e a relação com o cinema francês manteve-se até hoje, a ponto de o Sindicato Francês de Críticos de Cinema ter dado o seu nome ao prémio que atribui anualmente à melhor curta-metragem. Ainda viveu no Brasil, onde privou com os círculos da oposição política à ditadura militar e manteve uma das fases mais entusiasmadas da sua carreira como crítico de cinema, colaborando com os jornais Estado de S. Paulo e O Globo. Novais morreu há 40 anos, em Paris, mas regressa agora, como um fantasma, por causa da Capital Europeia da Cultura e do Cineclube local que quiseram que a sua história fosse filmada.

Notícia corrigida às 18h20:

Novais Teixeira morreu há 40 anos e não 50, como se afirmava

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