Mas num texto que enviou ao PÚBLICO por e-mail, a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) afirma que "a transição de funções" no CCB decorreu "de forma exemplar". "Qualquer extrapolação que pretenda colocar uma carga ideológica em decisões decorrentes da política cultural desenvolvida pela actual tutela no melhor interesse do serviço público, carece de qualquer fundamento", lê-se no texto.
Graça Moura, que entrou em funções na segunda-feira, tendo sido recebido no CCB por Mega Ferreira, com quem esteve reunido, recusou também comentar bastidores políticos. "Não tive nenhum elemento que me permitisse fazer juízos" desse tipo, disse ao PÚBLICO.
O conselho de notáveis constituído por Laborinho Lúcio, António Rebelo de Sousa, Vasco Vieira de Almeida, Clara Ferreira Alves, Lídia Jorge e João Caraça, cujos mandatos terminavam apenas em 2013, considerou inadmissíveis as razões invocadas pelo Governo para a não-recondução de Mega Ferreira, a quem terá sido transmitido na quinta-feira, dia 17, não existirem "condições políticas" para ser mantido no cargo. Isto a três dias do fim do mandato que tinha em curso - o segundo, desde 2006 - e depois de, apenas dois dias antes, ter almoçado com o secretário de Estado da Cultura (SEC), Francisco José Viegas, e este lhe ter garantido que seria mantido em funções.
Para Lídia Jorge, as circunstâncias desta sucessão, que considera "arbitrária", "é coisa que não pode acontecer num mundo democrático". "Não está em causa nem a competência nem a categoria de Graça Moura, de quem sou amiga", disse ontem ao PÚBLICO a escritora. "Está em causa perceber que havia um administrador, que era também programador, que em tempos extraordinariamente complicados deu provas. Desde sempre advogo que quando um administrador funciona não deve ser substituído."
"Precisamos de esclarecimentos da tutela neste campo", sublinha Lídia Jorge, o único membro do conselho directivo (CD) que se mostrou disponível para prestar declarações. Ontem, porém, a SEC recusou responder a quaisquer perguntas sobre o tema, incluindo sobre diligências de constituição de novo CD, para o qual deverá apontar cinco nomes, sendo o restante da responsabilidade do Ministério das Finanças, cuja assessora de imprensa, Paula Cordeiro, recusou ontem também avançar com qualquer resposta.
Bater de portaO bater de porta do CD é, porém, um golpe duro para início de mandato, tanto mais que vários dos membros demissionários são amigos de Graça Moura. Este, aliás, aponta essas mesmas ligações, mas minimiza: "Trata-se de pessoas amigas, que conheço há muito tempo", mas que "não quereria que se sentissem contrafeitas por estarem neste conselho".
De acordo com os estatutos da FCCB, compete ao CD definir e estabelecer as políticas gerais de funcionamento da fundação, definir as suas políticas e orientação de investimento, discutir e aprovar o orçamento e o plano anual das actividades do CCB, discutir e aprovar o plano trienal de actividades culturais, o balanço anual e as contas, fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais e decidir sobre quaisquer outras matérias que respeitem à actividade da fundação. Ainda segundo os estatutos, o CD tem de reunir-se duas vezes por ano e extraordinariamente quando convocado pelo presidente ou pelo vice-presidente. As deliberações têm de ser tomadas por maioria.
Graça Moura disse ao PÚBLICO não ter falado com nenhum dos membros do CD desde que assumiu funções e afirmou ter sabido da demissão colectiva pela notícia avançada pelo “Expresso” anteontem às 21h30. Referiu "esperar que [os membros do próximo CD] sejam pessoas com capacidade para perceber" o projecto a desenvolver pelo CCB.
Do CD demissionário, ontem, mantiveram-se incontactáveis Laborinho Lúcio, que em 2009 foi nomeado pelo actual Presidente da República para o Conselho Superior da Magistratura, o economista António Rebelo de Sousa e a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves. O advogado Vasco Vieira de Almeida recusou comentar e João Caraça, director do Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, disse ao PÚBLICO que "a posição relevante é a colectiva".
A “gritante questão Berardo”
É o mais complicado dossier nas mãos da administração da FCC e, ontem, Lídia Jorge referiu “a questão Berardo” como uma “questão gritante, diante dos olhos de todos”. Apesar de todas as tensões, elogiou Mega pela forma como geriu a pasta sobre a qual paira agora uma incógnita: a arquitecta Margarida Veiga era a representante do CCB no conselho de administração (CA) da Fundação Berardo; a historiadora Dalila Rodrigues entra com Graça Moura para a substituir, mas nem a SEC nem Graça Moura se pronunciaram ainda sobre se será a representante do CCB. Esta semana, a primeira reunião do ano do CA foi adiada. Teria sido a primeira de sempre do jurista João Barros, representante do Estado, e de Ana Isabel Trigo de Morais, escolhida de mútuo acordo entre o Estado e Berardo – em Dezembro, por despacho do SEC, Barros e Trigo de Morais substituíram o socialista António Vitorino e Fernando Freire de Sousa, também próximo do PS, cujos mandatos acabavam apenas em 2013, começando-se então a falar num “cerco” social-democrata a Berardo.