Muitos esperavam que ela tropeçasse, desafinasse, finalmente mostrasse que era apenas uma pobre rapariga fabricada para ter êxito. No conservador universo do rock & roll só existem duas medidas para aferição da verdade: ou se é “autêntico” ou “artificial”.
A história está farta de nos mostrar que entre os dois pólos há um sem número de subtilezas (perguntem aos managers que forjaram na rectaguarda Presley, Beatles, Stones ou Sex Pistols), mas quando se trata de paixões, já se sabe, a razão desvanece-se quase por completo.
Nos últimos meses a cantora americana Lana Del Rey provocou debates deste género, com defensores e detractores, esgrimindo argumentos. Na sexta-feira, no Meco, finalmente, toda a verdade. E não necessariamente a mais simplista. Lana Del Rey tem, simultaneamente, qualquer coisa de genuíno e de artificioso, de ligeiro e de profundo, de americano e de europeu, de desajeitado e de composto, de estereotipado e de desconstrução do estereótipo.
E a voz? Esse último reduto daqueles que defendem qualquer coisa de puro, como se existisse apenas um padrão para cantar? Descansem. Sabe cantar bem segundo os padrões clássicos. Lana Del Rey não reitera os clichés do espectáculo rock – não salta, não canta de forma esganiçada, não tenta expor as entranhas – embora repesque em imensos chavões sonhadores (da pose de mulher fatal ao imaginário nostálgico da América) e os recrie de forma habilidosa.
Move-se entre diversas fronteiras. E fá-lo bem. É um corpo estranho num festival rock sendo por isso rejeitada por muitos. Mas essa constituiu também uma das suas mais-valias. No Meco, foi-o.
Acompanhada por um quarteto de cordas, um guitarrista e um teclista, lá apareceu, vestido branco curto e penteado anos 60, qual Jacqueline Kennedy vinda das brumas do pó, e logo aí se percebeu que estava entre admiradores, com muitos gritos de boas vindas.
Arrancou com “Blue Jeans”, com o som envolvente das cordas, as imagens saudosas dispostas no ecrã gigante e sua presença a atribuírem uma áurea romântica ao recinto. Quase logo de seguida desceu ao fosso cumprimentando com beijos e abraços os admiradores, parecendo genuinamente surpreendida pelo calor.
Ao longo dos cerca de 45 minutos de concerto (o normal, para quem só tem um álbum) mostrou-se sempre comunicativa, enaltecendo o público e fazendo-o participar. Pelo meio cantou de cigarro na mão, recebeu prendas (um livro e uma t-shirt) e até deu autógrafos. Portou-se como uma estrela à americana, mas uma estrela deslocada e vulnerável, sem a sobranceria e a pose da estrela à americana.
Esteve muito bem, sempre suportada com descrição e solenidade pelos músicos, em “Summertime Sadness”, “Without you”, “Carmen” ou, nos inevitáveis, “Video Games” e “National Anthem”, que ficaram para o fim. Saiu como entrou, sem sobressaltos, etérea e tranquila.
O contraponto para essa forma de estar foram a dinamarquesa Oh Land e a britânica M.I.A. Já as vimos várias vezes ao vivo e estiveram longe de ser das suas melhores actuações, mas ainda assim cumpriram. A primeira é sempre garantia de espectáculo dinâmico e expressivo, alicerçado numa pop electrónica com a dose certa de leveza e singularidade, suportada por um percussionista e teclistas sempre à beira do êxtase. A segunda é festa tribalista garantida.
Desta vez foi prejudicada pelo som quase sempre estridente, embora ninguém pareça ter-se importado muito. Surgiu em formato “sistema de som” (com DJ, cantora de apoio e bailarino) e expôs as canções que já quase toda a gente conhece (“Boyz”, “Bucky done gun”, “Galang”, "Paper planes" e "Born free") de forma contundente, com sentido de ritmo, sabendo dosear o contacto próximo com o público e a performance de palco, num espectáculo de luz e som de eficácia comprovada. As sirenes, os ruídos, os gritos tribalistas e a disposição dos intervenientes em palco, com M.I.A. sempre segura da situação, acabam por criar uma sucessão de quadros agitados, capaz de levar ao delírio a multidão.
E os rapazes? Os americanos The Rapture, como já tinha acontecido há semanas no Primavera Sound no Porto, voltaram a mostrar que já conheceram melhores dias e que não serão eles a fazer-nos esquecer os cúmplices LCD Soundsystem, que entretanto se reformaram. Um pouco na mesma linha – atravessando a linha que liga o pós-punk dos anos 80 com a música de dança do novo século – os britânicos Friendly Fires foram, pelo menos, mais empenhados. Nem sempre têm canções à altura, mas o nervo e impetuosidade rítmica estão lá.
Quem raramente falha – apesar de parte das canções do novo álbum não estarem à altura do seu passado – são os portugueses WrayGunn e mais uma vez foi isso que aconteceu, com a voz e guitarra de Paulo Furtado (e cada vez mais também a voz de Selma Uamusse) a conduzirem muito bem a banda pelos caminhos do rock com soul.
Dos britânicos The Horrors o que se pode dizer é que são uma boa banda em disco. Em palco já os víramos duas vezes sem entusiasmo. Ontem, do que vimos, ficou a sensação que foi um pena não terem actuado mais cedo (já passava das 2h da manhã quando o público afluiu), porque o seu rock sombrio psicadélico, estava a merecê-lo.
O resto foi o que se esperava. O pó não desapareceu e o público afluiu este ano em menor número – 21 mil pessoas, ontem, segundo a organização. Estse sábado é o último dia com Peter Gabriel, Aloe Blacc, Skrillex, Perfume Genius, St. Vincent, Regina Spektor ou Villalobos.