Revista cultural nasce numa aldeia transmontana

Feita em papel reciclado e apostando num grafismo imaginativo, "Periférica", dizem os seus responsáveis, "seria uma revista cultural se a palavra não andasse tão mal usada". Assim, "é apenas uma revista contracorrente, mordaz, com ironia e humor". E provocação. Muita provocação.

A "Periférica" podia ter nascido no Porto, Lisboa ou em Nova Iorque. Mas, o curioso desta revista, é que veio ao mundo no lugar mais recôndito do país: uma pequena aldeia transmontana chamada Vilarelho de Jales, encravada na serra da Padrela (concelho de Vila Pouca de Aguiar). Mas tem a veleidade de ser feita para todo o país.

"A mentalidade provinciana de Lisboa, olhando o umbigo como de costume, estranhará a impertinência", profetizam os editores. Mas o grupo de amigos transmontanos que lançou a revista quer precisamente provar que, com os actuais meios de comunicação, é possível estar em Vilarelho como numa qualquer grande cidade do mundo. Vilarelho, onde se situa a sede da organização que apoia a revista - o Grupo Desportivo e Cultural da localidade -, é, ao mesmo tempo, a metáfora e a confirmação da aldeia global.

"Periférica" nasceu de uma outra revista, o "Eito Fora", que o mesmo grupo editou durante quase quatro anos. Também em papel reciclado, o "Eito Fora" ocupava-se de temas e assuntos que não fazem o quotidiano de Trás-os-Montes e Alto Douro e mostrava que esta região não é o postal cinzento que, muitas vezes, se faz passar. A revista afirmou-se como um projecto cultural, mas, mesmo assim, os seus criadores decidiram acabar com ela. "Matámos o 'Eito Fora' porque nos apeteceu".

Ou melhor, apeteceu-lhes começar um projecto novo - a "Periférica" -, diferente do anterior, desde logo, por ter cortado o cordão umbilical que o unia à região. De regional, a "Periférica" tem apenas - mas só por enquanto, asseguram os seus responsáveis - a publicidade, que funciona ainda como uma espécie de mecenato local. Ao contrário dos "conterrâneos" que "pensam que a salvação de Trás-os-Montes está na defesa da região", os criadores da "Periférica" acham que "este Trás-os-Montes não tem salvação" e "deve calçar as botas e partir à descoberta do mundo".

No resto, as duas revistas são semelhantes. Irónicas, provocadoras, interessadas em contribuições exteriores. Há quem vislumbre alguns laivos de arrogância na publicação. O director, Rui Araújo, não nega o tom provocatório, mas justifica-o: "Se assumíssemos o discurso da humildade numa revista destas, em Trás-os-Montes, seria muito fácil enveredar pelo discurso lamechas, dos coitadinhos, e isso não fazia sentido; a ironia, o auto-convencimento, são fundamentais neste projecto".

"AARGHH! O último grito da criação"

"AARGHH! O último grito da criação". A avaliar pela fotomontagem que aparece na capa do primeiro número da "Periférica", o parto que levou ao nascimento desta revista foi duro, demorado e doloroso. Foi também um parto provocado e o novo ser é, à primeira vista, estranho. Estranho e ao mesmo tempo atractivo. Metade homem, metade mão. Metade alma, metade esforço.

A imagem da capa é forte e causa impacto. A "Periférica" é mesmo assim: gosta-se ou odeia-se. Nem a publicidade escapa à criatividade dos responsáveis pelo "design" gráfico e pela paginação da revista, os irmãos Rui e Paulo Araújo. Com periodicidade sazonal, o número dois da revista será lançado em Agosto e terá como estrela principal o escritor alemão Günter Grass. O grupo de amigos transmontanos contactou via e-mail o Nobel da Literatura e este enviou para a revista uma série de poemas e aguarelas inéditos em Portugal.

Esta edição conta ainda com outras participações estrangeiras: Turcius, um ilustrador columbiano a residir em Espanha - que apresentará uma caricatura de Grass - e os cartoonistas Waldez (Brasil) e Boligán (Cuba). "Em Vilarelho pode fazer-se o mesmo que em Nova Iorque. Não há desculpa para provincianismos". A "Periférica", alertam, "não foi feita para provincianos, estejam eles nos remansos bucólicos das berças, ou nas esplanadas urbanas do Rossio."

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