Queer Lisboa estreia um dos grandes filmes deste ano: E Agora? Lembra-me
Joaquim Pinto regressa ao cinema com um documentário sobre a sua intimidade marcada pelo HIV.
O documentário segue o realizador, que há cerca de vinte anos convive com o HIV, em testes de medicação experimentais contra a Hepatite C. Mas E Agora? Lembra-me é um objecto vasto, misto de caderno de memórias de um cineasta que passou por nós com o mesmo pudor dos seus filmes (as longas Uma Pedra no Bolso, em 1988, e Onde Bate o Sol, em 1989, por exemplo), que foi produtor em anos gloriosos do cinema português (produziu João César Monteiro) e que a doença obrigou a retroceder para a intimidade. De onde agora, aos 56 anos, questiona o mundo - é nessa simultaneidade de olhares, para dentro e para fora, que se joga, de novo com todo o pudor, este filme enorme, que Joaquim Pinto assina com o seu companheiro Nuno Leonel. É de colocar a par dos terminais testemunhos que foram, há décadas, La Pudeur ou L'Impudeur (1990-1991), de Hervé Guibert, ou Silverlake Life: The View from Here (1993), de Peter Friedman e Tom Joslin... que são claramente a memória e o património de E Agora? Lembra-me.
A exibição no Queer Lisboa (projecção única a 22 de Setembro na secção Panorama) será a estreia em Portugal do documentário depois da première mundial no Festival de Locarno, em Agosto, em competição.
O festival cria este ano a secção competitiva In My Shorts para curtas-metragens de escolas de cinema europeias: ao todo, são 12 curtas a concurso e em Portugal a escolha recaiu sobre a Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), que apresentará quatro filmes.“Ter apenas filmes europeus é uma tentativa de compensar a prevalência do cinema americano, hoje em dia”, diz Ana David, directora do festival.
A secção Queer Focus tem uma vocação fortemente política e quer este ano exibir cinco filmes que mostrem a relação entre comunidades gay e a situação socio-económica das cidades em que vivem. Entre os filmes dos Estados Unidos, Filipinas e Áustria está o grego Boy Eating the Bird’s Food, de Ektoras Lygizos, sobre a experiência de um jovem cantor lírico que fica desempregado durante a actual crise económica em Atenas. “Aquele que foi o berço da democracia tornou-se na sua sepultura. Atenas é uma cidade onde os seus cidadãos perdem todos os seus direitos”, defende João Ferreira, director artístico do Queer. Numa das sessões do Queer Focus haverá debate para relacionar os filmes exibidos e o caso português.
Paralelamente à programação em sala, o Queer Lisboa apresenta o Queer-mente, no Ministerium Club: oito artistas fazem pequenos espectáculos de teatro, dança, vídeo e performance sob o tema "transgressão". Na Galeria Zé dos Bois acontece At Home with Little Joe: os artistas plásticos João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira apresentam aí durante sete horas uma instalação de vídeo que inclui ficção, documentário e publicidade entre outros géneros, todos com o tema domesticidade.
O festival muda a sua designação de Festival de Cinema Gay e Lésbico para Festival Internacional de Cinema Queer, na tentativa de se mostrar mais inclusivo. O cinema queer do início dos anos 90 não dá uma imagem polida e ideal da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), como o cinema gay e lésbico, mas mostra aquilo que ela realmente é, com todos os seus problemas e questões, explica João Ferreira. “É um pormenor político e está mais perto da programação que temos e do que queremos mostrar”, diz o director artístico.
O Queer Lisboa mostrará este ano 93 filmes. Na sua selecção houve o cuidado não só de mostrar bom cinema, diz João Ferreira, mas também de ir ao encontro de questões políticas hoje em debate em todo o mundo. Com orçamento de cerca de 90 mil euros, é apoiado pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e pela Câmara Municipal de Lisboa.