Portugal está no top dez dos leitores da Monocle e a revista veio dizer-lhes olá
Portugal está entre os dez maiores mercados da revista de culto que pensa no global mas que age localmente e veio a Lisboa conhecer os seus leitores. Na Monocle não há celebridades, mas há Rui Moreira e fábricas portuguesas.
E a equipa da publicação britânica passou 24 horas na capital portuguesa muito porque, de repente, Portugal está no top ten de leitores da Monocle – em 2013, o país tornou-se o nono maior mercado da revista britânica. Aqui, à beira do abismo atlântico, arrisca Tyler Brûlé, o director que não rejeita o título de guru, temos uma perspectiva do mundo que condiz com a da revista.
Nunca tinham feito um evento em Portugal (só em 2013 fizeram 67 ) e os números que põem o país muitos lugares acima de países como Espanha na lista da Monocle decidiram. Também a “pequena Nova Zelândia”, exemplifica Brûlé ao PÚBLICO, é um dos mais importantes mercados da revista, e “acho que há algo no facto de se ser um pouco remoto e deslocado”, periférico, que faz com que a publicação “reverbere nas pessoas que não são o centro do mundo” (“E é claro que Londres e Nova Iorque são as nossas maiores cidades e acham que são o centro do universo”, ri-se).
“Tem muito que ver com a capacidade de olhar para dentro e para fora. Quando se está sentado no limite do Atlântico, as forças da natureza a soprar por aqui adentro, sinto sempre que o Recife é já ali, que Maputo... sentimo-nos ligados a mais qualquer coisa aqui.”
Foram entrevistas atrás de entrevistas e pedidos insistentes por convites para a noite em que, sob chuva e granizo, cerca de 80 leitores e ainda colaboradores e “apoiantes”, como descreve a própria revista, iriam conhecer 12 dos principais responsáveis da publicação que sai dez vezes por ano e pela qual se navega como por um aeroporto moderno. Muitas revistas são habitadas por pistas ou histórias nascidas destes eventos. “É a boa e velha forma de pesquisar notícias.” Ausente das redes sociais e pouco interessado em tweets ou likes, Brûlé sorri para os seus anéis prateados. “No mundo dos media estão sempre a perguntar-nos ‘quem é o vosso leitor?’. E eu posso dizer-lhes que sei quem são os nossos leitores de Lisboa. Ou querem os de Hong Kong? É que eu conheci-os.”
Com uma circulação de 75.575 exemplares em todo o mundo e 18 mil assinantes, a Monocle tem sete anos de vida e já não é só uma revista. É uma estação de rádio, dois cafés, oito lojas, dois jornais semestrais, um livro que é um “guia para viver melhor” e prepara-se para ser, em 2014, uma conferência em St. Moritz, um novo livro e mais lojas e redacções em cidades-chave como Banguecoque, Tóquio e Istambul. A extensão da marca, diz Brûlé, não perde nunca de vista “o que somos afinal – uma revista”.
O estatuto da Monocle foi congeminado na esteira do percurso profissional de Brûlé, repórter ferido no Afeganistão aos 26 anos, apaixonado pela aviação e fundador da igualmente influente Wallpaper* e da agência de publicidade e design Winkreative – a sua relação com a publicidade, bem como a própria extensão da marca Monocle noutros produtos ou pelos encartes promocionais que acompanham a revista já lhe mereceu críticas no sector.
Como se posiciona a publicação no mercado? “Temos uma visão específica do mundo e ligeiramente lateral. Uma abordagem muito optimista do mundo”, reconhece sobre um dos diferendos nos média actuais, o do culto das “boas notícias” vs. jornalismo generalista. “Quando se pega na Monocle encontram-se verdades duras, mas se podemos ser cépticos, nunca somos cínicos, e acho que isso é um alívio para as pessoas”, diz, argumentando que “é muito mais difícil ser magnânimo e encontrar o elogio em alguma coisa”.
Brûle sabe que nem todos gostam do estilo Monocle, mas encontra nichos da Escandinávia à Ásia. Pensando para um mundo global, mas agindo localmente através de uma equipa fixa de 70 pessoas e colaboradores em diferentes cidades, produzem números como aquele que, em 2012, se centrou na lusofonia e que contava histórias portuguesas, moçambicanas, brasileiras ou angolanas e cujo sucesso foi tal que Londres teve de mandar por avião mais e mais exemplares para responder à procura. Ou como as histórias da edição de Abril sobre o renascer do têxtil português ou o perfil do novo autarca do Porto, Rui Moreira, um dos motivos pelos quais estiveram em Portugal.
Uma outra escolha da publicação criada para um estilo de vida global é que, num mundo dominado pela cultura das celebridades, quer “ser uma espécie de oásis, umas férias, um retiro”, explica o director. Não tem dúvidas de que o seu leitor também lê a Vanity Fair, mas prefere “dar tempo de antena internacional” a um músico taiwanês “do que à [actriz] Jennifer Connelly”.
Tyler Brûlé admite ser um privilegiado. Filho de um jogador de futebol e de uma artista, cresceu no Canadá fascinado com jornais e noticiários. Decidiu fundar a Wallpaper* em 1996, que vendeu em 2002 por milhões, e dirige agora uma publicação de nicho mundial que com o próximo número já ultrapassou em 50% as receitas de publicidade de todo o ano de 2013, ultrapassando os objectivos de crescimento de 38%, conta. Diz que recusam os conteúdos pagos, estão presentes em cem mercados no planeta e impuseram uma paywall no seu site com apenas alguns conteúdos vídeo ou áudio gratuitos.
Em 2007, “quando olhámos para o modelo [de negócios da nascente Monocle], tivemos o luxo de perceber que o velho modelo” das vendas em bloco cujo grosso são cópias gratuitas ou a preço reduzido para angariar mais publicidade “não era para nós. Queríamos ter menos leitores, mas que paguem 150 dólares por ano para assinar uma revista que diga algo sobre eles. Não são necessariamente ricos ou abastados, mas simplesmente envolvidos com a revista. E quando chegámos à paywall, foi simplesmente pensar ‘para que é que nos demos a tanto trabalho para dar tudo de graça?’”.
É um dos seus temas preferidos, cuja análise se permite interromper para assinalar um arco-íris sobre o Tejo. “O jornalismo é um negócio caro. Os barões da imprensa de antigamente percebiam isso” e apostaram na publicidade, assinaturas e vendas nos quiosques. Mas agora, “os velhos barões sentem que não percebem a nova tecnologia, ou talvez a percebam mas sentiram-se intimidados quanto a desafiá-la, e acabámos num sítio em que eles deram, gratuitamente, o seu bem mais importante”. Agora “estão a tentar corrigir isso, e para muitos é demasiado tarde porque ficaram sem dinheiro ou ele está a minguar rapidamente”.
Privilegiado e rotulado: o senhor Wallpaper* e Monocle, sabe que muitos consideram Tyler Brûlé um árbitro sobre o que é vanguardista ou simplesmente fixe num dado momento. “Mas não é algo que tenha dito ao acordar – gostava de ser um guru. Se um número suficiente de jornalistas escrever sobre isso torna-se verdade”, ri-se, para voltar à ideia de privilégio. “Sou jornalista e é o que faço, mas acontece que sou dono da nossa editora e da nossa agência [de design e comunicações] e talvez isso me tenha dado mais combustível” para ser a epítome do cool.
No futuro da Monocle estarão mercados emergentes como Indonésia, Malásia, Filipinas, mas sobretudo, diz Brûlé, uma maior “integração vertical”. Quer ser um player mais importante e que daqui a mais sete anos “se passar por Heathrow, sejamos nós a gerir as bancas de jornais”. Adivinha este caminho para outras revistas: que sejam as publicações a “criar ambientes onde as pessoas possam ler”.
Notícia corrigida às 14h44: alteração no título