Obras de Miró não podem sair do país por decisão do tribunal
Tribunal impede saída das obras. Christie's queria a colecção até ao final de Abril.
Numa nota enviada às redacções, o MP faz saber que, “em defesa do património cultural e dos bens do Estado”, interpôs esta quinta-feira uma nova providência cautelar – é a terceira desde Fevereiro. O objectivo, lê-se na mesma nota, é “evitar que as obras de Miró, que vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do Banco Português de Negócios, fossem colocadas no mercado externo sem que a administração do património cultural determine a abertura de um procedimento de inventariação e classificação das referidas obras de arte”.
E como a saída das obras estava prevista para o final deste mês, uma vez que a Christie’s pediu que a colecção viajasse para Londres para que a pudesse expor antes do leilão marcado para Junho, o Ministério Público pediu o decretamento provisório desta providência cautelar de forma a evitar que isto venha a acontecer. O processo de expedição das obras está neste momento a ser avaliado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), cuja decisão deverá ser conhecida nos próximos dias.
De qualquer das formas, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa decretou a medida provisória pedida pelo MP e por isso as obras não vão poder mesmo sair do país, até que o tribunal decida. Até porque, lê-se na mesma nota, “foi igualmente intentada a correspondente acção principal (acção administrativa comum de condenação).
Francisco Nogueira Leite, presidente da Parvalorem (sociedade criada pelo Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e por isso proprietária das obras), disse ao PÚBLICO não ter sido notificado "de qualquer iniciativa judicial", recusando-se assim a comentar "situações que desconhece formalmente". "A confirmarem-se as notícias da imprensa a situação será analisada e eventualmente comentada nessa oportunidade", concluiu o presidente.
Esta é a terceira acção do Ministério Público, que viu a primeira providência cautelar ser indeferida pelo tribunal, que apesar das ilegalidades detectadas na expedição da colecção, autorizou a realização do leilão. Este não aconteceu, no entanto, por decisão da leiloeira que argumentou não estarem reunidas as condições de segurança para a venda das obras.
A segunda providência cautelar deu entrada apenas dois dias depois, justificando o MP que "no âmbito de diligências da primeira providência" surgiram "actos susceptíveis de desencadearem a segunda". O processo desta acção está ainda a correr, tendo acabado no início do mês a fase dos articulados, isto é, o momento onde todas as partes envolvidas no processo (neste caso a secretaria de Estado da Cultura, o ministério das Finanças, a Parvalorem e a Christie’s) fundamentam as posições que defendem.
Apesar de o processo ainda estar a correr, soube-se este mês que seria intenção da Procuradora-Geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, interpor uma nova acção. Em Fevereiro, depois de o leilão ter cancelado, a procuradora disse publicamente, numa entrevista à RTP, que tentaria travar a venda deste acervo, não afastando a possibilidade de novas acções. Na altura, Marques Vidal considerou ser obrigação do MP proteger o património cultural do país.
Sob a ameaça de uma nova providência cautelar, o presidente da Parvalorem pediu uma audição à PGR na semana passada mas até agora não teve obteve uma resposta. “Entendemos que uma troca de impressões pode ser positiva para manifestar toda a nossa disponibilidade e interesse em colaborar para o eventual esclarecimento dos factos em relação aos quais sabemos ter sido tudo feito no estrito cumprimento da legislação em vigor”, disse ao PÚBLICO Nogueira Leite ainda antes de se conhecerem estes novos desenvolvimentos.
Quando em Fevereiro, Nogueira Leite foi ouvido no Parlamento sobre este caso, o presidente da Parvalorem criticou a posição do Ministério Público, defendendo que “igual diligência, empenho e determinação venha a ser seguida nas múltiplas queixas que a Parvalorem apresentou por indícios de burla na gestão do BPN”.
Contrato não estava sujeito a fiscalização prévia
Esta quinta-feira também o Tribunal de Contas emitiu um comunicado a informar que o contrato para o leilão das obras não precisava de visto prévio. Existia a dúvida sobre se o contrato estaria ou não sujeito a este tipo de fiscalização, uma vez que a Parvalorem é uma entidade sujeita à jurisdição do TC. O presidente da Parvalorem, Francisco Nogueira Leite, defendeu desde o início que o contrato de prestação de serviços para a realização do leilão não tinha de passar pelo crivo do Tribunal de Contas por não envolver qualquer despesa para o Estado, “mas sim receita”.
No entanto, sendo este contrato de carácter público, o Tribunal de Contas manifestou interesse em verificar os seus contornos, uma vez que em causa está a alienação de bens culturais. Agora, a instituição dirigida por Guilherme d’Oliveira Martins revelou que “nos termos da Lei, o contrato não carece de visto prévio para ser executado”.
Tendo o Tribunal de Contas jurisdição nesta matéria que poderá exercer para além da fiscalização prévia, como fez saber ao PÚBLICO na semana passada, e que passa por uma fiscalização concomitante, uma auditoria e um julgamento de eventual responsabilidade financeira, o TC fez saber que a venda destas 85 obras será tratada dentro do processo do BPN.
“No que respeita à fiscalização sucessiva/auditoria, a venda das obras do pintor Joan Miró, caso ocorra no ano em curso, terá reflexos na gerência de 2014, sendo o seu impacto avaliado pelo Tribunal de Contas, no âmbito do acompanhamento dos encargos incorridos pelo Estado com a intervenção no BPN”, lê-se no comunicado do TC, que não adianta mais informações.
O contrato do leilão da colecção Miró foi entregue ao Tribunal de Contas na segunda-feira por iniciativa de Francisco Nogueira Leite, que ao PÚBLICO explicou agir “salvaguardando os princípios da transparência e da colaboração com a justiça”.