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A dieta mediterrânica é um património aberto e em expansão

Portugal conquistou esta quarta-feira a segunda inscrição, depois do fado, na lista do Património Imaterial da Humanidade. Foi uma candidatura plurinacional partilhada com a Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia.

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Sem discussão e sem objecções, e com o presidente da mesa a realçar que ninguém se opunha à classificação, “até porque todos gostam desta comida”, Portugal viu consagrada a candidatura conjunta com a Croácia e Chipre, mas também com Espanha, Marrocos, Itália e Grécia – estes últimos quatro países tinham já os seus nomes e a sua dieta mediterrânica inscritos nos bens patrimoniais da UNESCO desde 2010, mas associaram-se agora aos outros três numa candidatura renovada e mais abrangente e que foi liderada pela Câmara Municipal de Tavira.

A decisão foi tomada a meio da tarde na capital do Azerbaijão (eram cerca de 13h30 em Portugal), logo na primeira das duas sessões reservadas para a avaliação das três dezenas de candidaturas a esta categoria que tinham sido aceites pelo comité da UNESCO (de uma lista inicial de seis dezenas). E se a expectativa da delegação portuguesa, chefiada pelo presidente da Câmara de Tavira, Jorge Botelho, era a mais optimista, o adiamento da inscrição da Escola de Equitação de Viena, e as dificuldades sentidas pelo Brasil na classificação da Romaria de Nossa Senhora da Nazaré, em Belém do Pará, terão criado algum suspense.

Poucos minutos após a decisão do comité, Jorge Botelho classificava-a, em declarações ao PÚBLICO, como “uma vitória para a comunidade de Tavira, mas também para o Algarve e para todo o país”. O autarca realçava, no entanto, que não era “só a gastronomia, mas todo o património da região que fica a ganhar”, já que a segunda inscrição de Portugal na lista do património imaterial – dois anos depois do fado – constitui uma nova oportunidade para a afirmação da cultura do país e a sua inscrição na bacia do Mediterrâneo.

Jorge Coelho, autarca socialista, relevou ainda o facto de Tavira ter liderado, “com sucesso, todo o processo da candidatura conjunta dos sete países durante os últimos dois anos e meio”, e salientou o apoio de várias instituições, nomeadamente o “Ministério da Agricultura e o Governo português”.

À frente do grupo que organizou a candidatura esteve o sociólogo Jorge Queiroz, director do Museu Municipal de Tavira, que, também ao PÚBLICO, e logo após o veredicto da UNESCO, salientou “o efeito de reconhecimento planetário” que ele vai ter. Queiroz notava que na capital do Azerbaijão estão esta semana delegações de 116 países – “a maior representação de sempre no comité” – e mais de um milhar de delegados.

A equipa portuguesa que defendeu a candidatura da dieta mediterrânica foi ainda composta por João Begonha, adjunto da ministra da Agricultura, Rita Brasil, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da delegação portuguesa da UNESCO, e Victor Barros, coordenador da Comissão Nacional da Dieta Mediterrânica.

A classificação foi naturalmente bem vista por responsáveis do sector da restauração do Sul do país, que, pela voz de Júlio Arez, presidente da Haresp-Algarve – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, a classifica como “uma bela oportunidade de publicidade gratuita em todo o mundo”. “As pessoas que nos visitam terão novas motivações para procurar os nossos restaurantes, em vez de irem aos dos seus países ou irem comer fast food”, acredita Júlio Arez, fazendo notar que os restaurantes portugueses “já fazem também preços competitivos” com os das cadeias internacionais.

Quem também não põe em causa a importância da classificação é Isabel do Carmo, médica endocrinologista. “É importante que se formalize e consagre um padrão alimentar que é comum às várias regiões do Mediterrâneo e que pode trazer benefícios sob o ponto de vista social e da saúde”, diz esta especialista em doenças do comportamento alimentar. Faz notar, no entanto, que esta dieta "tem uma base histórica complexa, visto que uma parte dos alimentos foi trazida dos países descobertos por portugueses e espanhóis, sobretudo na América do Sul”, além de que “sempre houve heterogeneidade do ponto de vista das classes sociais”, lembrando que “para muitos trabalhadores, no passado, a alimentação consistia em pão, azeitonas e vinho”.

Jorge Queiroz, responsável pela exposição Dieta Mediterrânica, património cultural milenar, patente até Março no Museu Municipal de Tavira, faz notar que a inscrição na lista do património “é um contrato entre a UNESCO e o nosso país, que nos traz novas responsabilidades". Entre elas está o reforço da salvaguarda da dieta mediterrânica e de toda a cultura que ela encerra.

Por outro lado, o responsável pela candidatura diz que os sete países ficam vinculados ao desígnio de partilhar e alargar esse trabalho a outras regiões da bacia do Mediterrâneo, não sendo de excluir uma eventual nova candidatura ainda mais alargada.

No projecto de decisão elaborado pela UNESCO depois de analisada a candidatura –  que fora apresentada na sede da organização em Paris em Março de 2012 –, é salientado que “a dieta mediterrânica envolve uma série de competências, conhecimentos, rituais, símbolos e tradições ligadas às colheitas, à safra, à pesca, à pecuária, à conservação, processamento, confecção e, em particular, à partilha e ao consumo dos alimentos. Comer em conjunto é a base da identidade cultural e da sobrevivência das comunidades por toda a bacia do Mediterrâneo. É um momento de convívio social e de comunicação, de afirmação e renovação da identidade de uma família, grupo ou comunidade”.

A transmissão destes saberes e práticas de geração em geração na criação de uma identidade cultural e social, a sensibilização para a necessidade de consumir produtos saudáveis, a salvaguarda desta cultura através de medidas e legislação adequada foram outras razões apontadas para a classificação.


 
 
 
 
 
 
 
 
 

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