Na Turquia Apollinaire não é literatura e pode levar à prisão
O editor e o tradutor turcos de um livro de Apollinaire podem vir a ser presos por divulgarem conteúdos obscenos.
Na Turquia, a circulação de pornografia fora dos circuitos autorizados é proibida por lei, excepto se estiver em contexto científico ou artístico. Depois de quatro anos de processos em tribunal, o Supremo Tribunal anulou as decisões de tribunais anteriores e confirmou que o livro, publicado pela primeira vez de 1911, não é literatura devido à sua “linguagem simples e vulgar”, lê-se na sentença. O livro que conta experiências sexuais de um jovem de 15 anos, contém segundo o tribunal turco “perversão para com mães, tias, irmãs, pessoas do mesmo sexo e animais”.
Esta decisão faz com que o processo volte ao tribunal anterior que fica encarregado de decidir se o livro é pornografia. Se for, o editor Irfan San, premiado em 2010 (pouco tempo depois do início do processo) pela Associação Internacional de Editores com o prémio Freedom to Publish, pode ser condenado a até nove anos de prisão, e o tradutor Resit Imrahor, até seis anos.
A decisão de lançar este e outros livros foi, para Irfan Sanci, manter viva a tradição de literatura erótica otomana dos séculos XVII e XVIII. “Se publicássemos esses textos hoje, poderíamos esperar ataques muito mais violentos, porque são bastante mais explícitos que estes livros que publicámos”, disse o editor e noticiou o jornal espanhol ABC.
No início deste ano, o governo turco acabou com a lista de livros proibidos que mantinha há décadas, mas a literatura continua a ir a tribunal. Este processo iniciado em 2009 foi aberto também contra o clássico da literatura indiana Kama Sutra, um texto otomano e Conos, do escritor espanhol Juan Manuel de Prada. Ainda no início deste ano, o Ministério da Educação turco tentou eliminar das escolas as obras Ratos e Homens, do Nobel da Literatura John Steinbeck, e Meu pé de laranja lima, do brasileiro José Mauro de Vasconcelos.
Não é a primeira vez que obras de Guillaume Apollinaire levam editores a tribunal na Turquia. Rahmi Akdas foi condenado por publicar As onze mil vergas, que foi declarado “material obsceno ou imoral susceptível de despertar e explorar o desejo sexual entre a população”. Akdas recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que decidiu a seu favor acrescentando que a decisão turca impedia o acesso ao património europeu e violava a liberdade de expressão.
O processo contra Irfan San e Resit Imrahor está no âmbito do artigo 226 do código penal turco, uma lei contra a obscenidade, mas levanta questões de liberdade de expressão. O Supremo Tribunal apelou na sentença a que a liberdade de expressão fosse usada com “responsabilidade”, defendendo no entanto que a tradução e publicação de um livro não podem ser vistas como actos de liberdade de expressão. “As liberdades podem ser limitadas e sujeitas a regras para prevenir desordens e preservar a moral e a saúde da sociedade”, diz a sentença.
Em Maio deste ano, o pianista Fazil Saypor viu anulada a sua condenação a dez meses de prisão com pena suspensa por cinco anos por ter parodiado algumas práticas religiosas islâmicas no Twitter. Para os tribunais turcos, os seus tweets foram insultuosos para o islão. A condenação tinha levado a Comissão Europeia a pedir o "pleno respeito" pela liberdade de expressão na Turquia.