Morreu Sue Townsend, a criadora de Adrian Mole

A escritora sofria de diabetes e nos últimos anos foi ficando cega. Os seus últimos livros foram ditados ao filho mais velho. Morreu aos 68 anos, em sua casa.

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O primeiro livro protagonizado por Adrian Mole foi publicado em 1982 com o título O Diário Secreto de Adrian Mole aos 13 Anos e 3/4. A crítica literária Clara Ferreira Alves considerou-o, no jornal Expresso, um clássico: "Este diário não se pode perder. Pode ser lido em férias e fora de férias. Pelos pais e pelos filhos. Por ingleses e por portugueses. Escrito em 1982 tornou-se, já!, um clássico do género. Um clássico tão apetitoso e irresistível como um chocolate Mars, a guloseima predilecta de Adrian."

Em 2001, a escritora britânica esteve no Porto 2001 a participar na conferência "Sob Influência" na Biblioteca Almeida Garrett. Na altura contou que aprendeu a ler com oito anos, numa empreitada de três semanas auxiliada pela mãe e pelos livros da série William, escritos por Richmal Crompton. E que depois começou a frequentar bibliotecas até no Natal seguinte lhe ter sido oferecida uma colecção de clássicos com capas duras vermelhas. Mais tarde, durante as férias escolares, Sue Townsend chegava a ler três livros por dia, ao ponto de os familiares lhe dizerem que a qualquer momento o seu cérebro poderia explodir. "Ler tornou-se a coisa mais importante da minha vida", disse a autora, que em Portugal foi publicada pela Difel e pela Editorial Presença.

Desde que se soube que tinha morrido nesta quinta-feira à noite, as redes sociais encheram-se de mensagens de leitores, e muitos dizem que os diários de Adrian Mole foram os primeiros livros que leram até ao fim. Adrian Mole era adolescente nos anos em que Margaret Thatcher governava o Reino Unido. O enredo dos livros não se limita por isso a seguir os problemas típicos da adolescência, mas também as questões políticas levantadas pelo adolescente e pelos seus pais.

"Domingo, 9 de Maio: Acabo de reparar que nunca vi um cadáver ou um bico de maminha verdadeiro. É o que dá viver num beco sem saída.

Quinta-feira, 13 de Maio: Ontem eu era o tipo normal de adolescente intelectual. Hoje sei o que é sofrer... Amo-a! Meu Deus! Minha Pandora!...

Sábado, 22 de Maio: O meu pai acaba de me perguntar se eu queria um irmão ou uma irmã. Eu disse que nem um nem outro. Porque é que eles andam sempre a chatear com esta conversa? Espero que não estejam a pensar em adoptar uma. São uns pais péssimos. Olhem para mim, sou completamente neurótico", estas são algumas entradas dos diários de Adrian Mole.

Ao primeiro livro, O Diário Secreto de Adrian Mole aos 13 Anos e 3/4, um sucesso internacional que vendeu mais de oito milhões de exemplares e que foi traduzido para 30 línguas, seguiram-se outros sete, publicados nos anos 1980 e 1990 e na primeira década do século XXI: Adrian Mole e a Crise da Adolescência, As Confissões de Adrian Mole, Os Anos Amargos de Adrian Mole, Adrian Mole na Idade do Cappuccino, Adrian Mole e as Armas de Destruição Maciça, Os Diários Perdidos de Adrian Mole (todos editados em Portugal pela Difel) e  o último, Adrian Mole: The Postrate Years.

Adrian não fica com o passar do tempo eternamente jovem, como acontece com muitos protagonistas de livros infanto-juvenis – acompanhamos o seu crescimento até 2007, ano da acção do último livro, Adrian Mole: The Prostrate Years, publicado em 2009. "Os muitos leitores que cresceram com Adrian Mole e o consideram seu contemporâneo vão ficar chocados com os últimos acontecimentos", escreveu o jornal britâncio The Guardian sobre o desfecho da personagem criada por Sue Townsend. Com o seu crescimento, Adrian vive momentos políticos, como a governação de Tony Blair, a guerra do Golfo e a guerra do Iraque.

"[Margaret] Thatcher era uma pessoa fácil de ser odiada. Pessoalmente, eu era anti-Thatcher, mas Tony Blair tem um rosto muito sorridente. Ele tem modos delicados, sorri. Ninguém consegue dizer mal de Tony Blair. Mas ele está a tornar-se, cada vez mais, um fundamentalista religioso. Sempre tive medo das pessoas que governam um país e são ao mesmo tempo extremistas religiosos. Acho-o um primeiro-ministro sem coragem, pois a melhor coisa a fazer-se neste momento era esperar até que fosse prudente atacar o terrorismo", disse Sue Townsend, referindo-se naquele ano de 2001 à participação da Inglaterra como aliada na guerra declarada pelos norte-americanos.

Sue começou por escrever peças de teatro e a sua carreira ganhou um novo fôlego quando, em 1981, venceu um prémio de melhor peça de teatro atribuído pela estação de televisão londrina Thames Television, extinta em 1992, pela sua peça Womberang. Townsend escreveu também ficção para adultos, como A Mulher Que Decidiu Passar Um Ano na Cama, de 2012.

Sue Townsend sempre se afirmou de esquerda, mas nos últimos anos dizia-se desiludida com o Partido Trabalhista, em especial com as decisões tomadas em relação à guerra do Iraque. "Eu apoio a memória e a história do Partido Trabalhista e considero estes [Tony Blair e o seu governo] intrusos."

A escritora sofria de diabetes e nos últimos anos foi ficando cega. Os seus últimos livros foram ditados ao filho mais velho. Morreu aos 68 anos, em sua casa.

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