Morreu Stéphane Hessel, autor de Indignai-vos!
Diplomata, ex-combatente da Resistência, colaborador de De Gaulle, nasceu em Berlim mas tinha nacionalidade francesa. Morreu aos 95 anos, durante a noite de terça-feira.
Foi a viúva Christiane Hessel-Chabry quem anunciou “a morte durante a noite”, escreve a AFP, que lembra o homem de esquerda e europeísta convicto. Hessel nasceu em Berlim em 1917 numa família de ascendência judaica e naturalizou-se francês 20 anos depois, para durante a II Guerra Mundial se juntar ao general Charles de Gaulle e à Resistência contra a ocupação nazi da França.
É depois preso pela Gestapo (polícia política alemã) e enviado para os campos de concentração de Buchenwald e Dora, escapa por pouco à execução, e consegue fugir na transferência para o campo de Bergen-Belsen. Depois do fim da guerra, inicia a sua carreira de diplomata junto do Quai d'Orsay, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, deixando na sua actividade a marca muito pessoal de um humanista e defensor das causas humanitárias e dos direitos humanos. É essa sua tendência e o contacto com essa realidade que o levam a um envolvimento político, escreve o jornal Figaro. Muito mais tarde
O Le Monde chama-lhe o “cavalheiro indignado” e, a atestar da grandeza do nome, aos leitores que digam o que, para eles, fica da vida e da obra de Stéphane Hessel. E num artigo de 2011 refere-se ao diplomata e escritor como “o indignado mundializado” que, na altura, com 93 anos, mantinha uma agenda digna de um chefe de Estado, tal era a frequência com que era convidado para grandes eventos, conferências e sessões de lançamento do seu livro Indignai-vos! pelo mundo fora.
Em 1997, já tinha publicado a sua autobiografia, Danse avec le siècle (Seuil), na qual fazia um retrato de uma criança que viveu todo o século XX, lembra o Figaro, para quem Hessel foi “um homem empenhado até ao fim e que cultivou o optimismo no homem onde outros teriam sucumbido ao cinismo”. Em 2010, Indignai-vos!, cuja edição portuguesa foi prefaciada por Mário Soares, transformou-se num manifesto à escala global.
"A minha longa vida deu-me uma série de motivos para me indignar", escreveu Hessel, que morreu em Paris, segundo anunciou a viúva, nesta terça-feira. Numa entrevista concedida ao PÚBLICO em Maio de 2011, Hessel avaliava os riscos desse movimento de indignados que adoptou o livro dele como uma referência, título que vendeu 3,5 milhões de cópias em todo o mundo.
"Acredito que há um risco, que é o de que as pessoas se indignem, protestem e depois tudo continue na mesma. É preciso que a indignação dê lugar a um comprometimento conjunto." Disse também que acreditava na política, mostrando-se "convencido de que é preciso acreditar para não nos deixarmos desencorajar".
Com Mário Soares, que, segundo Hessel, "teve a grande gentileza de escrever o prefácio", de certo modo, se identificava: "Tanto ele como eu estamos à procura de qualquer coisa a que chamamos inventividade política", disse na mesma entrevista ao PÚBLICO. "Não queremos descansar em conceitos já muito usados, como democracia e socialismo, que nos são caros. É preciso interpretar isso à luz do que vem acontecendo nos últimos dez anos no mundo, em que há uma forte dominação por parte do capital, sem regulação, da alta finança económica, que é algo bem diferente da economia e do mercado."