Memórias e dilemas nos cinemas do real do IndieLisboa

Competição do festival chega ao fim com Belleville Baby e Matar a un Hombre, dois bons filmes que explicam aquilo a que o festival se propôs: contar outras histórias de outras maneiras.

Fotograma de <i>Matar a un Hombre</i>
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Fotograma de Matar a un Hombre DR
Fotograma de <i>Belleville Baby</i>
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Fotograma de Belleville Baby

Fê-lo, no entanto, orbitando outras fórmulas – a mais evidente das quais a dos chamados “cinemas do real”, objectos híbridos que combinam elementos de documentário e ficção. Parte significativa dos onze filmes propostos este ano no concurso internacional usam como “rampa de lançamento” episódios verídicos ou experiências pessoais dos seus autores, mesmo que a sua concretização não seja forçosamente “convencional”.É o caso dos dois últimos filmes exibidos na competição. O próprio passado da sueca Mia Engberg serve de ponto de partida para o encantador e difuso Belleville Baby (Culturgest, esta sexta-feira, 21h30; e City Campo Pequeno, sábado, 14h30). E o chileno Alejandro Fernández Almendras inspirou-se num caso real para a ficção angustiante e formalista que é Matar a un Hombre (Culturgest, esta sexta-feira, 19h; e City Campo Pequeno, sábado, 19h).

Engberg pega no seu passado de estudante de cinema em Paris e no romance que então teve com um jovem delinquente como ponto de partida para um objecto atmosférico, envolvente, entre o documentário, o filme-ensaio e a ficção lírica. É um filme-bola de sabão, evanescente e fugidio, que levanta questões sobre o idealismo da juventude e o contraste com a vida real, questionando aquele ponto muito discreto da nossa vida em que chegamos a uma encruzilhada que nem sequer sabemos que o é e tudo se abre em todas as direcções, num momento fulcral entre a adolescência e a idade adulta.

Belleville Baby resume a vertente mais experimental “do concurso”, a par do excelente Quand Je Serai Dictateur, de Yaël André (repete esta sexta-feira, 21h30, City Campo Pequeno), do intrigante Mouton, de Gilles Deroo e Marianne Pistone, do francamente falhado Je m'Appelle Hmmmm..., de Agnès B., e do apenas curioso Mambo Cool, de Chris Gude.

Por seu lado, Alejandro Fernández Almendras trabalha a dimensão simbólica da ficção inspirada em factos reais. Matar a un Hombre, mais um excelente exemplo da “pontaria” do Indie para os novos cineastas latinos, coloca um pai de família panhonha como alvo do bullying persistente de um pequeno dealer rufia em busca de vingança.

Embora Almendras seja chileno – e não é descabido evocar Pablo Larraín –, há qualquer coisa dos novos romenos na progressão implacável, no fatalismo claustrofóbico com que esta tragédia anunciada vai lentamente destruindo a vida de Jorge (um notável Daniel Candia), reforçado pelo formalismo tenso e geométrico do trabalho de câmara de Inti Briones.

Paredes-meias com o filme de género, Matar a un Hombre é formalmente mais austero que Les Apaches, de Thierry de Peretti (repete esta sexta-feira, 19h, City Campo Pequeno); a sua exploração dos meandros psicológicos do medo torna-o num gémeo acessível de Historia del Miedo, de Benjamín Naishtat, e o seu olhar sobre as comunidades rurais aproxima-o do menos interessante Los Ángeles, de Damian John Harper.

Sobra o olhar sem pingo de condescendência sobre a música brega de Amor, Plástico e Barulho, de Renata Pinheiro (com Quand Je Serai Dictateur e Les Apaches um dos nossos preferidos do concurso), e a visão surreal do metro de Nova Iorque de Stand Clear of the Closing Doors, segunda longa de Sam Fleischner (esta sexta-feira, 16h30, City Campo Pequeno). Fleischner integra habilmente na sua ficção a passagem do furacão Sandy, que assolou Nova Iorque em Outubro de 2012 e que interrompeu as filmagens, usando-a como reforço dramático da história paredes-meias com o realismo mágico de um jovem com síndrome de Asperger que vagueia perdido pelo metro, e da mãe imigrante que o busca e se recusa a ceder ao desespero.

Stand Clear of the Closing Doors é na prática uma espécie de “caso da vida indie”, com a segurança de Fleischner a compensar o lado um pouco esquemático da narrativa e a elevar o filme acima da inconsequência em que, por exemplo, os irmãos Safdie (cujo Vão-me Buscar Alecrim venceu o Indie há um par de anos) o teriam deixado cair.

A ver o que o júri escolherá, este sábado, para levar para casa o grande prémio.

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