Linda Martini e Gisela João: uma surpresa no Lux
A banda de Casa Ocupada convidou a fadista para os concertos desta quinta e sexta-feira no clube lisboeta.
Os Linda Martini, a banda de Turbo Lento, a banda de rock com o coração na boca e uma inquietação impossível de aplacar, encontrar-se-ão com Gisela João, fadista de uma entrega avassaladora aos sentimentos que as palavras contêm e que a guitarra traduz em som. O concerto inicialmente marcado apenas para a noite de quinta-feira esgotou e nova data foi acrescentada para sexta-feira. Linda Martini e Gisela João em dose dupla, portanto.
À partida, parecerá estranha esta combinação. Mas os Linda Martini não são uma banda rock convencional e Gisela João, que até canta o fado tradicional, não corresponde também ao estereótipo convencional da fadista – na primeira vez que a vimos cantar Os Vampiros, a canção de José Afonso agora incluída no seu repertório de concerto, era convidada do Nicolas Jaar, música das electrónicas; quando lhe ouvimos A Casa da Mariquinhas, ouvimos o fado de Marceneiro revisto pela pena da rapper Capicua.
Hélio Morais, baterista dos Linda Martini, explica que, “de uma forma inconsciente”, o radialista Pedro Ramos, programador das noites Black Balloon, “é o culpado” pela colaboração. “Desde o Casa Ocupada [segundo álbum dos Linda Martini, editado em 2010] que diz que a nossa música é uma espécie de fados do rock”. Junte-se a isso o facto de, por exemplo, a banda ouvir na linha de voz do vocalista André Henriques, em Mulher-a-dias [a primeira canção de Casa Ocupada], algo de fadista (“até chegámos a pensar em convidar um para a cantar no disco”, confessa Hélio), e eis nascida esta ideia de fazer da noite Black Balloon dos Linda Martini um encontro com Gisela João. Mas porquê Gisela? “Porque nos é próxima”, explica Hélio Morais. Próxima fisicamente (“é nossa vizinha”) e em atitude e temperamento: “é aquela que mais tem a ver connosco geracionalmente e, mesmo no fado, é muito punk em concerto. Se for preciso atirar-se para o chão, atira-se. Fazia sentido tê-la connosco”.
Une-os, é certo, uma intensidade desarmante e uma capacidade de se porem totalmente na música que abraçam. Isso é evidente nos Linda Martini, que desde a estreia com um EP homónimo, em 2005, foram criando um culto cada vez mais alargado, culpa da energia transbordante dos concertos e dos discos que, passo a passo, foram acrescentando canções ao nosso património musical: tudo começou com Amor combate, logo no primeiro registo, tudo continua com Ratos, do mais recente. Turbo Lento, o último álbum, editado em 2013, mostra uma banda que sabe pesar e escolher as palavras e atirá-las na avalanche criada por música onde se encontram a aspereza do punk e a vertigem sónica do rock’n’roll.
Gisela João, por sua vez, apareceu-nos de rompante o ano passado. Claro que o meio fadista já sabia dela. O resto do país, porém, descobriu-a com espanto e admiração quando foi editado Gisela João, álbum do ano para o Ípsilon em 2013. Não foi exactamente o repertório que a fez, nem a capacidade de revolucionar a vetusta canção nascida em Lisboa. Foi algo mais profundo e indefinível: Gisela João não canta o fado, Gisela João “é” fadista – di-lo a expressividade da voz, dizem-no o corpo que se move como se os versos fossem carne quando canta Meu amigo está longe ou Vieste do fim do mundo.
Portanto, quinta e sexta-feira os Linda Martini tocam no Lux. Gisela João é a convidada. Interpretará três canções dos Linda Martini. Uma do último Turbo Lento, duas de Marsupial, EP de 2008. Haverá ainda espaço para uma versão preparada a seu pedido. “Não é fado, mas podia ser. É de um cantor com barba, mas não vou dizer qual para guardar a surpresa”, diz com uma gargalhada Hélio Morais. Correndo o risco de errar, arriscamos que a resposta deverá estar algures entre Braga e Nova Iorque.
Os bilhetes para o concerto de quinta-feira estão esgotados. Para amanhã, estão à venda a 12€. Os concertos têm início às 23h e depois deles, a música será assegurada por Grandmaster Ramos (ou seja, Pedro Ramos) e pela dupla Gandambiente (ou seja, Hélio Morais e Joaquim Albergaria, a outra metade da bateria siamesa dos PAUS).