Lei do cinema e do audiovisual é mais exigente para as empresas, mas é “para cumprir” diz o Secretário de Estado
Jorge Barreto Xavier explicou regulamentação da lei de 2012. Financiamento da RTP ao sector por definir
Com o processo legislativo por terminar (falta a apreciação do Presidente da República e a posterior publicação em Diário da República), o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, quis explicar na sexta-feira aos jornalistas como é que a nova legislação, que até agora só tinha regulada a aplicação de taxas aos operadores de televisão (Decreto-lei nº 9/2013, de 24 de Janeiro), reúne a partir daqui condições para “contribuir activamente para o incentivo à diversidade de produção” no cinema e audiovisual portugueses.
Como? Com um maior envolvimento da iniciativa privada, aplicando um modelo de negócio que é comum a vários países da União Europeia e que, segundo o director do Instituto do Cinema, Audiovisual (ICA), levará à extinção do FICA, o fundo de capital de risco através do qual a Lei do Cinema anterior, a de 2004, visava financiar o sector.
Um modelo de negócio que, a confirmarem-se as previsões de receita divulgadas pelo responsável do ICA, José Pedro Ribeiro, deverá implicar um investimento de 27,7 milhões de euros. Na base destas estimativas estão três fontes de financiamento, precisou o secretário de Estado: a taxa das operadoras de televisão de sinal aberto (4% das receitas de exibição de publicidade, verba a cargo dos anunciantes) deverá representar nove milhões de euros; a nova taxa de 3,5 euros a aplicar às TV por cabo por cada nova subscrição (10,7 milhões); e as obrigações de investimento por parte de todos os operadores (nove milhões).
Segundo Jorge Barreto Xavier, parte das verbas resultantes da cobrança dos dois tipos de taxa estará disponível já em Agosto/Setembro. As obrigações de investimento, a ser aplicadas, por exemplo, na produção de episódios-piloto de séries televisivas para que dado produtor ou criador tenha à disposição instrumentos para “vender” melhor as suas ideias, só entrarão em vigor em 2014.
“Tivemos a preocupação de garantir que os encargos não se façam sentir todos de uma vez”, disse o secretário de Estado, reconhecendo que a nova lei implica compromissos regulares de investimento por parte das empresas, o que mereceu oposição.
“Não foi fácil levá-las a assumir responsabilidades que antes não eram obrigadas a assumir”, acrescentou, mas assim “o novo modelo pode definir alterações no circuito económico”. Algo particularmente importante quando, frisou o secretário de Estado, a área do cinema e audiovisual emprega 15 mil pessoas e representa 650 milhões de euros por ano (500 milhões só da televisão), segundo o relatório do economista Augusto Mateus sobre o sector cultural e criativo em Portugal.
Confrontado com a possibilidade de haver um incrumprimento no pagamento de taxas por parte dos operadores, Barreto Xavier foi claro: “A lei é para cumprir e respeita um modelo já consensualizado no contexto da União Europeia.” E, acrescentou, as empresas sabem que há “instâncias de recurso” (tribunais) e que “os atrasos implicam juros”.
Mas foi precisamente por causa de incumprimentos, dúvidas e divergências constantes, reconheceu, que o Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual (FICA) não resultou: “Não se pode concentrar a presença do Estado nas políticas públicas para a área num só fundo de capital de risco.”
A questão dos júris
Para dois produtores de cinema ouvidos pelo PÚBLICO, a nova lei traz boas e más notícias. Reforçando que só conhecem a regulamentação do resumo distribuído aos jornalistas e às associações do sector, Pedro Borges (Midas Filmes) e Luís Urbano (O Som e a Fúria) salientam como aspectos positivos a aprovação do decreto-lei depois de quase quatro anos de debate à volta de um novo diploma e a alteração de um modelo de financiamento que estava há muito esgotado.
“Se o Governo fizer cumprir a lei, ela cria um bolo financeiro próximo do desejável para assegurar a actividade”, disse Borges ao PÚBLICO. “A lei parece reunir condições para funcionar. Se noutros países funciona, por que não aqui?”, pergunta Urbano.
A Pedro Borges parece-lhe “grave” que a lei não defina, no entanto, o papel que cabe à RTP: “O operador de serviço público é central em todo o processo de financiamento em qualquer país. Que o Estado se permita definir como vão comportar-se os privados e remeta para um contrato de concessão que não tem valor de lei e a definição das obrigações da RTP é uma perversão.” Sexta-feira, Barreto Xavier admitiu que nada está definido em relação à participação da estação pública, precisamente porque a tutela está à espera do contrato de concessão.
O que ambos os produtores também não compreendem na nova regulamentação é o facto de ter sido retirada ao ICA a competência de nomeação dos júris dos concursos, que a partir daqui passa para a Secção Especializada de Cinema e Audiovisual do Conselho Nacional de Cultura, órgão que tem estado praticamente inactivo, observam.
“Os critérios dos concursos são os mesmos e, já ficou provado, podem levar a resultados trágicos”, disse o produtor da Midas. “Com as novas regras, dá-se a agravante de os júris serem escolhidos por um órgão que é eminentemente corporativo, onde não estão representadas muitas das associações do sector.”
Luís Urbano vai mais longe, dizendo que esta transferência de competências deixa o processo de atribuição de apoios “menos transparente”. “A maioria dos representantes [no conselho] são distribuidores e exibidores. Assim corremos o risco de basear numa lógica corporativa uma fase do processo que é crucial. Corremos o risco de perder uma pluralidade de perfis naqueles que vão avaliar as propostas”, conclui o produtor.
Será também a esta secção do Conselho de Cultura que caberá elaborar o plano plurianual para o cinema e audiovisual, com base no qual se decidirão quais os montantes disponíveis para longas e curtas-metragens ou filmes de animação. Para já, o director do ICA pode apenas garantir que 15% dos apoios serão aplicados em primeiras obras.