Reichardt caminha para noroeste e encontra o seu melhor filme; Frears leva a água ao seu moinho: um hit

No 70.º Festival de Veneza começa a travar-se um duelo pelo título de filme mais marcante da edição: o consenso vai para Philomena de Frears

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"Philomena", de Stephen Frears, é já um dos filmes mais falados do festival DR
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Dalota Fanning em "Night Moves" DR
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Jesse Eisenberg em "Night Moves", de Kelly Reichardt DR

Kelly Reichardt chegou então ao seu melhor filme: Night Moves, que teve estreia mundial no Festival de Veneza (competição). Aí encontra três activistas ambientais que se juntam para concretizarem o seu idealismo e o seu dogmatismo: a explosão de uma central hidroeléctrica. As personagens de Jesse Eisenberg, Dakota Fanning e Peter Sarsgaard terão a sua existência ancorada na realidade do Noroeste americano, explicou a realizadora em conferência de imprensa: uma zona dos EUA cheia de consciência ambiental, de mundos que se protegem na sua autosuficiência, consumindo o que produzem, e nessa bolha fazendo levedar o seu radicalismo. Mas Jesse, Dakota e Peter interpretam personagens que são reconhecíveis do universo de Reichardt/Raymond: a dificuldade de despertarem empatia, a obsessão, o mutismo – Jesse Eisenberg pode mesmo ser uma variação da personagem de Michelle Williams em Wendy e Lucy (2008).

Na sua actividade de radicais razoavelmente amadores, acabarão por causar "danos colaterais" - a morte de um campista que pernoitava na zona da explosão. Mas por essa altura, Night Moves é já só noite (espantoso trabalho de fotografia de Christopher Blauvelt) e ambiguidade moral: as personagens estão cercadas como numa prisão, há sombras de grades no seu idealismo.
Este fica para já, na companhia de Old Joy (2006), como o filme de Reichardt mais ensopado em fantasmas – como todo um património cinematográfico a que Kelly, professora de cinema, tem acesso, da paisagem do western de Anthony Mann à Terceira Geração, de Fassbinder, passando pelo thriller paranóico dos anos 1970 ou pelo fabuloso Du Rififi chez les Hommes, de Jules Dassin...

O job de Frears
Mas há um duelo que se começou a travar para o título de filme mais marcante do festival, com a entrada em cena de Philomena, de Stephen Frears. Reacções entusiásticas, uma projecção que causou lágrimas e gargalhadas, conversas já sobre Óscares para a actriz principal, Judi Dench, fazendo Frears por ela o que fez por Helen Mirren em A Rainha (também estreado no Festival de Veneza). O filme de Reichardt inquietou com a sua claustrofobia, não podia haver melhor forma de sacudir fantasmas com Philomena, e com a calculada mistura de drama e comédia, cortesia do argumento de Steve Coogan (tambem intérprete) e Jeff Pope. Não há hipótese: o consenso vai para o filme de Frears.

Baseado numa história verídica de uma irlandesa a quem a Igreja Católica, nos anos 1950, tirou o filho ilegítimo para o vender para adopção, e que cinco décadas depois, com a ajuda de um jornalista continua a procurá-lo, começa por ser tratado por Frears como um buddy film. Um filme sobre um "casal" improvável: um jornalista cínico e uma mulher fiel à sua crença: acreditar. O argumento vai trabalhando com precisão de relojoaria um equilíbrio. Coogan contou que durante a rodagem estava preocupado que o seu registo de comédia tomasse conta, por isso pedia a Frears que o domasse. 

Está tudo calculado, mas essa é uma objecção a colocar: o mecanismo das cenas, o timing da comédia, o espaço para o drama, é tão eficaz que comanda a duração de cada plano e se sobrepõe à história. Às vezes os actores não deixam espaço para as personagens. Mas... chapeau! para a eficácia! O realizador entrou para o barco no fim, assume isto como um "job", e não é difícil acreditar que estaria à partida mais perto do cinismo do jornalista que despreza as "histórias de interesse humano" de que os jornais precisam para (ainda) sobreviver. Esta é então a sua forma de acreditar na "história de interesse humano". Dito de outro modo: Frears fez mesmo uma "história de interesse humano", afectando a pose de que não (se) acredita nela. 

Muitos já começaram a acreditar. E por aqui se prevê que muitos mais acreditarão.

Mas o dilema é: que fazer a James Franco? Já tinha causado ranger de dentes de crispação o seu episódio para o filme comemorativo dos 70 anos de festival, Venezia 70-Future Reloaded: foi buscar imagens antigas em que Francis Coppola pugnava pela destruição para daí nascer a arte, palavra que enche a boca de Franco. Este ano realizou um filme a partir de Faulkner, As I Lay Dying (abusando do split screen), agora apresenta em concurso em Veneza Child of God, adaptando Cormac McCarthy (filmando o texto do autor como um jovem motivado pela sua descoberta recente), e já completou um outro sobre Bukowski. Em Interior. Leather Bar ficcionou os 40 minutos que William Friedkin retirou de Cruising para conseguir uma classificação etária que retirasse do filme a classificação "para adultos", mas sobretudo coloca-se aí como impulsionador de uma discussão sobre os limites e os preconceitos figurativos. Vê-se como herdeiro de uma pulsão artistica americana, sim, mas a visão é de uma naiveté basbaque e aflitiva. O que fazer a James Franco?
 
 
 
 

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