José Afonso cantou Alípio de Freitas, agora Alípio canta José Afonso
O disco que os Couple Coffee dedicaram a José Afonso em 2007 é relançado com duas faixas extra e uma surpresa. Este domingo, no Musicbox, em Lisboa, pelas 21h30.
Quando foi lançado Co’as Tamanquinhas do Zeca!, em Abril de 2007, contou-se a história improvável dessa ligação. José Afonso tinha feito, depois do 25 de Abril, uma canção dedicada a um padre transmontano que no Brasil se tornara guerrilheiro e ali fora preso. Dizia assim: “Baía da Guanabara/ Santa Cruz na fortaleza/ Está preso Alípio de Freitas/ Homem de grande firmeza// Em Maio de mil setenta/ Numa casa clandestina/ Co’a companheira e a filha/ Caiu nas garras da CIA.” Alípio ainda ficou preso durante quase dez anos, depois tornou-se amigo de José Afonso e seguiu-o de perto até à morte. E a filha citada na canção, de seu nome Luanda Cozetti, fez-se cantora e formou com Norton Daiello, seu companheiro na vida e na música, o duo Couple Coffe. Que em 2007 gravou um disco só com versões brasileiras de canções de Zeca Afonso. Ciclo fechado.
Ou quase. Luanda evitou gravar, por razões óbvias, a canção dedicada ao pai. Tal como não gravou, por exemplo, Traz outro amigo também, que para ela tinha ressonâncias bem diferentes daqueles que teve e tem em Portugal. Passados sete anos, já com o Couple Coffee bem instalado no meio musical português, resolveram relançar o disco. E arriscar essas duas canções, com uma curiosa abordagem. Traz outro amigo também conta com a voz do próprio Alípio de Freitas que, nascido em Vinhais, em 1929, deixa ali impresso o seu sotaque transmontano e altivo. Luanda conta, agora, como correu a experiência:
“Pôr o meu pai a cantar não foi nada difícil. Há uns dois anos que estávamos com essa ideia, mas fomos enrolando. Estas duas músicas tinham ficado de fora do disco. Alípio de Freitas por aqueles motivos todos e Traz outro amigo também porque foi uma música em que eu não queria mexer. Porque, para mim, ‘aqueles que ficaram’ são os que ficaram pelo caminho. Estou cercada de defuntos, enfim. Mas achei que agora era a hora dessa canção, propus ao meu pai e ele foi profissionalíssimo, 40 minutos de estúdio e gravou tudo, cantando, falando deu uma alegria, uma dignidade à canção. Quisemos deixar a forma como ele fala, o timbre muito transmontano, ficou muito lindo assim.”
Quanto à canção Alípio de Freitas, que José Afonso incluiu no seu disco Com as Minhas Tamanquinhas, em 1976, a carga emocional que trazia consigo era imensa. “Levei oito anos para entender o que essa canção significava em Portugal”, diz Luanda. “Eu tinha uma visão minha, dolorida, e não entendia porque é que aquele refrão, que falava de tortura, era tão p’ra cima, tão alegre. Mas à medida que vamos conhecendo o Zeca percebemos que ele era de uma eficiência impressionante e eu fui entendendo a canção. P’ra mim a canção significava ‘tirem meu pai daqui, que bom que alguém se lembrou’, enquanto para Portugal era uma exortação, era quase uma canção passionária!”
Mesmo assim foi difícil, para ela, cantar. “Gravei de uma vez só, meti na cabeça que papai era o Zorro, e fui embora. O Júlio Pereira estava com medo que eu gravasse a coisa soturnamente, mas não. Cantei, só eu e o baixo (do Norton), depois o Júlio meteu o bouzouki e o cavaquinho. Ficou bonito, gostei. E acho que com isso fecho um ciclo.”
O disco Co’as Tamanquinhas do Zeca!, para além de Luanda Cozetti (voz) e Norton Daielllo (baixo eléctrico) conta ainda com os músicos Sérgio Zurawski (guitarra eléctrica) e Ruca Rebordão (percussões). Entre os dezasseis temas do disco original encontram-se temas como Tenho um primo convexo, Menino d’oiro, O avô cavernoso, Vampiros, Teresa Torga, Menino do bairro negro, Balada do Outono, Era um redondo vocábulo ou Utopia.
Nas duas faixas extra, agora acrescentadas, participaram Alípio de Freitas (voz) e Júlio Pereira (bouzouki e cavaquinho). O disco, que volta às lojas a partir de 31 de Março, será lançado este domingo com um espectáculo no Musicbox, em Lisboa, pelas 21h30. O preço da entrada (12,99 euros) dá direito a levar para casa o disco reeditado.