João, Tiago e Vera são especiais e os protagonistas de livros infantis

Alice Vieira, Luísa Beltrão e Luísa Ducla Soares escrevem sobre crianças com necessidades educativas especiais.

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Estes miúdos existem mesmo e inspiraram a escrita de Alice Vieira, Luísa Beltrão e Luísa Ducla Soares. Para acabar com “o mundo de isolamento e silêncio” das famílias com crianças portadoras de deficiência e porque a inclusão não é menos importante que a terapêutica.

“Quisemos ficcionar crianças concretas, com histórias que fossem adequadas ao cenário das suas vidas”, disse ao PÚBLICO Luísa Beltrão, presidente da Pais em Rede e que assina o título Olá! Eu Sou a Vera – É Bom Ter Amigos.

Objectivo: “Aproximar as crianças ditas normais destes meninos especiais, que também são pessoas, não são uma abstracção. A convivência e inclusão beneficia todos. Queremos contrariar a deficiência social, que afasta quem é diferente.”

Luísa Beltrão sabe do que fala. São dela as palavras “mundo de isolamento e silêncio”. Há 33 anos que tem uma filha com “um atraso global de desenvolvimento de 90%”, e nos primeiros tempos nem sabia a quem se dirigir.

Foi em Londres que identificaram o problema da filha, também Luísa. “Um tsunami na minha vida. Ela tinha 11 meses, disseram-me que se vivêssemos em Inglaterra aprenderia a ler, a escrever e conseguiria ter uma profissão, mas em Portugal ia ser tudo muito difícil.” E foi. Ainda assim, a menina fez progressos, para o que terá contribuído em muito a relação com os seis irmãos, “uma casa cheia”, e a determinação da mãe. Hoje, trabalha no refeitório de uma escola, “com a autonomia que lhe é possível”, conta Luísa Beltrão, que se está a organizar para que venha “a partilhar casa com mais dois ou três jovens”.

Um mundo só dele

Para a colecção Meninos Especiais, coube a Alice Vieira a história do João, um miúdo com autismo. “Fiquei um bocado aflita”, disse a autora ao PÚBLICO. Não só pela “delicadeza do tema”, mas também porque os livros se destinam “a crianças pequeninas”, público-alvo para que se sente menos confortável a escrever.

Depois de passar algum tempo com o João e a mãe, Alice Vieira percebeu que tinha ideias erradas sobre quem tem autismo. “Pensava que ficavam sossegadinhos com os seus pensamentos, mas não. Exigem uma atenção constante. O que eu fiquei a admirar aquela mãe”, exclama.

O único momento em que a escritora conseguiu de alguma forma “trazer o miúdo ao nosso mundo” foi através de um pião. “Tudo o que roda fascina-o. A mãe já me tinha dito, mas eu vi”, descreve. “E o que ele gosta de poças de água? Qualquer criança gosta de ‘pôr a pata na poça’ e isso facilita a aproximação aos outros.” Foi assim que Alice Vieira encontrou elementos para criar a história Olá! Eu Sou o João – Um Mundo Só Meu. “Eu não queria ser piegas nem seca. Queria acima de tudo ser justa”, conclui Alice.

Quem também ficou aflito com o convite foi Paulo Guerreiro, que ilustrou este título. “Por ser uma situação delicada e por ser um texto da Alice Vieira, uma dupla responsabilidade”, disse ao PÚBLICO o designer gráfico, que se estreia assim na ilustração para a infância.

Paulo Guerreiro esteve igualmente em contacto com o João, com a mãe dele e foi ainda conhecer a escola que o menino frequenta. “Quis ver o local onde brincam e aprendem e ao mesmo tempo perceber a dinâmica entre ele e os amigos.”

Tal como a autora, também se preocupou em ser justo e descreve assim o sentimento que norteou o seu trabalho: “Queria ser fiel às crianças e aos pais, queria fazer justiça ao tema.” Por isso, procurou “não criar um estilo desadequado” e escolheu materiais que as crianças também utilizam, para aumentar a sua proximidade e atenção. “Usei umas canetas de cera sintética, cuja expressão fica entre os lápis de cor e os lápis de cera. Costumo usá-las com a minha filha, que tem nove anos. São seguras para as crianças e muito coloridas. Elas adoram.”

Para Paulo Guerreiro, esta participação foi “muito especial e gratificante”. De tal modo que repetiu ao PÚBLICO o que disse na sessão de lançamento do livro, em finais de Setembro. “Foi um dos três momentos mais importantes da minha vida. O primeiro foi o meu casamento; o segundo, o nascimento da minha filha; o terceiro foi este.”

Integrar, integrar, integrar

Os livros custam três euros cada e podem ser encomendados através do
email encomendasmeninosespeciais@gmail.com. As receitas destinam-se ao autofinanciamento da Pais em Rede, uma associação que nasceu em 2008, tem 2500 associados e 21 núcleos regionais.

A associação talvez venha a transformar-se numa organização não-governamental, diz Luísa Beltrão, o que facilitaria a captação de fundos. “Não cobramos quotas aos nossos associados e é muito difícil obter financiamento do Estado para tudo o que não seja infra-estruturas, mas o nosso trabalho é sobretudo de formação, troca de conhecimentos e apoio.” Ou seja, trabalho invisível.

De momento, a Pais em Rede tem protocolos com câmaras municipais, que cedem espaços onde funcionam alguns núcleos, com a Fundação Calouste Gulbenkian, com sete universidades e com a Direcção-Geral de Saúde. “A nossa actividade concentra-se em capacitar os pais para o apoio aos filhos e na formação de professores, há já uma cadeira específica nesse sentido na Escola Superior de Enfermagem. Estamos também a fazer uma experiência com professores e pais, para criarmos um modelo de formação que envolva todos. O que queremos é chegar à melhor abordagem para integrar as famílias. A inclusão é mais importante que a terapêutica.”

Luísa Beltrão lembra que devemos “centrar-nos na pessoa e não na doença” e que “neste universo das pessoas especiais acontecem coisas maravilhosas”. Conta por isso com toda a gente para que mais aconteçam. “Precisamos de aliados.” E de donativos.

Colecção Meninos Especiais

Olá! Eu Sou o Tiago. Um Detetive em Cadeira de Rodas.

Texto de Luísa Ducla Soares


Ilustrações de Ana Ferreira


Edição de Pais em Rede/ISPA-IU


Olá! Eu Sou o João. Um Mundo só Meu

Texto de Alice Vieira


Ilustração de Paulo Guerreiro


Edição de Pais em Rede/ISPA-IU


Olá! Eu Sou a Vera. É Bom Ter Amigos.

Texto de Luísa Beltrão


Ilustrações de Tânia Bailão Lopes


Edição de Pais em Rede/ISPA-IU


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