João César Monteiro "nunca permitiria" leitura de textos por políticos

Carta aberta no PÚBLICO contra evento em que Poiares Maduro lerá no festival de Paulo Branco textos do realizador. O produtor não comenta polémica.

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João César Monteiro em Janeiro de 1996 DANIEL ROCHA

Publicada esta sexta-feira no PÚBLICO, a carta aberta insurge-se contra o evento programado para as 17h de sábado no âmbito do festival organizado pelo produtor Paulo Branco em que o ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, a deputada Isabel Moreira, a psicóloga Joana Amaral Dias, o arquitecto Manuel Graça Dias, o escritor Jorge Vaz de Carvalho ou a actriz Alexandra Lencastre vão ler textos do realizador João César Monteiro.

Paulo Branco, que produziu César Monteiro (1939-2003) em Branca de Neve ou As Bodas de Deus, é o destinatário da carta aberta que acusa o produtor de não ter pedido autorização para a leitura daqueles textos no evento Leitores Improváveis ao filho do icónico realizador português, João Pedro Monteiro Gil – que, com a mãe Margarida Gil, é também signatário da mensagem. Na carta fala-se em “desfaçatez” e lamenta-se o “abuso puro e duro” que é “branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes”. Paulo Branco, contactado esta manhã pelo PÚBLICO, não quis prestar declarações.

A deputada socialista Isabel Moreira confirmou esta manhã ao PÚBLICO que estará presente na leitura de sábado. Questionada sobre a polémica em torno da leitura destes textos por agentes políticos, Moreira responde: "Não estou amputada dos meus direitos cívicos por ser deputada. Leria um texto do João César Monteiro há dez anos". E a perita em direito constitucional contextualiza - "a escrita tem um papel central na minha vida, é o que me define mais, e sobretudo a escrita insubordinada. Os escritores que leio são todos insubordinados. Há evidentemente uma empatia entre a minha forma de ver a escrita e o facto de ser o João César Monteiro, com textos altamente insubordinados, nomeadamente a contestar a política cultural" e que hoje devem ser relidos.

O realizador Joaquim Pinto (premiado este ano em vários festivais pelo seu filme E Agora? Lembra-me) foi produtor de João César Monteiro em Recordações da Casa Amarela e subscreve o teor desta carta aberta no que toca a questões de direitos autorais: "Não faz sentido sem contactar as pessoas que têm os direitos". Ressalva, no entanto, que "é importante sublinhar que o trabalho e os textos do João César são incorruptíveis pelos poderes. Ser lido por esta ou outra pessoa em qualquer contexto não tem grande importância", diz. "Não altera o que quer que seja em relação à obra do João César", considera, e apesar de lhe parecer "curioso" que seja o ministro Poiares Maduro a ler um dos textos, "não me parece que corresponda a nenhuma manobra de aproveitamento".

Margarida Gil, ao telefone com o PÚBLICO na manhã desta sexta-feira, explicou que além desta carta aberta enviou também uma carta pessoal ao produtor Paulo Branco em que expressava o seu descontentamento pela iniciativa “que o João César nunca permitiria. E Paulo Branco devia saber isso muito bem”.

Descontentamento com política para o audiovisual
O evento Leitores Improváveis está agendado para sábado, às 17h, no Museu de História Natural no âmbito do Lisbon & Estoril Film Festival. Estava prevista no site oficial do festival a leitura pelo ministro Poiares Maduro de uma carta de João César, informação que agora surge em branco. A carta do realizador data de Maio de 1993 e nela Monteiro declara ao então Instituto do Cinema Português (actual Instituto do Cinema e do Audiovisual) nada querer ter a ver com o cinema português, proibindo a exibição de dois filmes seus num festival.

“Não ponho de lado que tenha havido uma intenção de fazer uma homenagem”, ressalva, “mas pôr um ministro, um governante, a ler um texto do João César é desfavorecer e desprezar ainda mais o cinema em Portugal. Quem é que beneficia com isso?”, pergunta, lembrando que Poiares Maduro “é um dos responsáveis por esta política” para o audiovisual que motiva o seu descontentamento.

Reconfortada com o eco de indignação que está a encontrar nas redes sociais, Margarida Gil – que é também presidente da Associação Portuguesa de Realizadores – adianta que, não pretendendo a família accionar legalmente Paulo Branco pela iniciativa, “a obra escrita total de João César Monteiro – guiões, textos e outros escritos – está já a ser coligida, por ordem cronológica”, para uma edição ainda sem data pela Letra Livre em colaboração com a Homem do Saco, além da reedição dos textos já publicados. O filho de João César Monteiro, João Pedro Monteiro Gil, terá decidido que as receitas provenientes da venda dessas futuras obras reverterão a favor da recuperação dos negativos dos filmes do pai.

Ana Isabel Strindberg, companheira de anos de João César Monteiro e sua assistente de realização, disse ao PÚBLICO estar "absolutamente indignada e entristecida que um festival como este, dirigido por Paulo Branco, que foi produtor do João César Monteiro, não se preocupe com os filmes" do realizador e se foque sim nos seus textos. Strindberg, que na última edição do Festival Cortex de curtas-metragens organizou a retrospectiva das curtas do realizador, frisou que "a melhor forma de homenagear um cineasta é exibir os seus filmes em boas condições". Restaurados, algo que, considera, urge fazer dado o estado em que se encontram as cópias existentes, quer as dos filmes produzidos por Branco (e vendidos à ZON) quer as dos títulos produzidos pela RTP.


 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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