Chinua Achebe 1930-2013: o escritor que tinha medo de ficar sem história

Um dos pais da literatura africana moderna e autor do romance Quando Tudo se Desmorona, morreu aos 82 anos. Escreveu em inglês, mas com uma babel na cabeça. A das palavras que se dizem na transmissão oral das coisas num país de 250 etnias e onde se falam 500 línguas.

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Em Portugal, estão editados Quando Tudo se Desmorona, A Flecha de Deus e Um Homem Popular REUTERS/Mike Hutchings/Files

Chinua Achebe levou para os seus livros as 500 falas do seu país e com elas contou o colonialismo europeu como nunca antes fora contado. Morreu aos 82 anos, sem Nobel, mas com seguidores que continua a pôr a Nigéria em destaque na geografia da literatura

Escreveu em inglês, mas com uma babel na cabeça. A das palavras que se dizem na transmissão oral das coisas num país de 250 etnias e onde se falam 500 línguas. Ele era o sábio passador de experiências, o que dá nome às coisas e ao mesmo tempo é capaz de as traduzir para prosa, construindo narrativas sobre uma identidade em mudança e dando a cada leitor a ilusão de estar entre os que se sentam à volta da tal grande árvore a ouvir o sábio. A carreira literária e ficcional deste homem natural de Ojidi, sudeste da Nigéria, onde nasceu em 1930 tem como base um contágio civilizacional onde é difícil falar de inocentes – sempre foi um crítico de corruptos e de quem se deixava corromper – mas onde o Ocidente e a literatura que a Europa ia produzindo sobre África ao longo do século XX não saem bem na fotografia. 

Quando se fala de Chinua Achebe fala-se de um dos mais lúcidos narradores do colonialismo europeu em África e, depois da descolonização, um homem pouco desejado não apenas durante a Guerra Civil, como pelo regime ditatorial que se seguiu e que colou a Nigéria a uma das mais trágicas nações africanas da História recente.

Exilado, primeiro em Inglaterra e mais tarde nos EUA, continuou a escrever e a falar sobre a corrupção e a violência no continente africano. Chinua Achebe, o escritor que gostava de Yeats e de T. S. Eliot e que morreu em Boston, não se limitava a contemplar a paisagem à sobra da tal árvore. Foi o intermediário dessa paisagem em transformação, inaugurando um estilo que haveria de ser seguido por muitos autores africanos que, como ele, ou a partir dele, foram capazes de fazer a síntese entre um continente oral que tenta sobreviver com mais ou menos prejuízo da sua identidade, e um mundo comandado pela palavra escrita. Era assim em 1958, ano da sua estreia literária.  

Antes, desde o início, foram as histórias contadas em casa. Não lidas, mas ditadas pela memória. E quando pensava em histórias era assim que as via. Sons com um sentido quase mítico como nos livros que haveria de escrever mais tarde, depois do inglês se ter sobreposto na sua vida às falas do seu país. O pai, evangélico, era professor de religião, e a mãe corria a provincia de Igbo –  onde Chinua cresceu e que foi o centro da sua literatura - a passar o Evangelho. A conversão da família ao "Deus da Europa, uno" não foi suficiente para matar a oralidade dos muitos deuses, esse plural divino que marcou também a infância do escritor que, seduzido pelas histórias que ia ouvindo, quis encontrar as suas histórias. O medo, o perigo, como ele dizia em muitas entrevistas, era o de, no meio de tantas histórias, das histórias dos outros, não ter a sua propria história. Algo que dizia não apenas a pensar no indivíduo. 

Terá assim começado na escrita, a partir da necessidade de criar uma narrativa que, para ele, era uma forma de ganhar e preservar identidade. No caso de Chinua Achebe, fortemente marcada pelas origens. Por um continente e pela sua pluralidade de vozes, tragédias e sonhos. Essa tradição, hoje seguida por muitos nomes celebrados da literatura, foi iniciada com Things Fall Apart – editado em Portugal com o titulo Quando o Mundo se Desmorona (Mercado das Letras, 2008) – o primeiro dos cinco romances que escreveu e intercalou com mais de uma dezena de livros de ensaio ou poesia, e que continua a ser uma das mais vivas e inovadoras da actualidade, materializada em autores como Teju Cole (de que a Quetzal vai editar o romance Open City) ou Chimamanda Ngozi Adechie (autora de Meio Sol Amarelo e A Cor do Hibisco). Nesse ano – 1958 – com esse romance e essa capacidade invulgar de passar para a escrita a tradição da oralidade, pode dizer-se que se situa um dos embriões da literatura moderna africana. 

Pouco conhecido em Portugal, apesar de ter cá publicados três dos seus cinco romances – A Flecha e Deus, Edições 70, 1978 e Um Homem Popular, Caminho 1987, além do primeiro Quando Tudo se Desmorona – Achebe era considerado um dos mais influentes escritores de língua inglesa e os seus livros uma referência para quem queria perceber a cultura centro-africana. A tal ponto que o mundo literário não se espantaria se a Academia Sueca o tivesse premiado com um Nobel. Sobre ele, Nadine Gordimer, sul-africana e Nobel em 2001, destacou a capacidade invulgar de conjugar o riso e o horror. A observação vinha no longo artigo que a edição on-line do americano The New York Times dedicou à morte do escritor que dizia que a escrita se assemelhava a uma luta, mas que acreditava que o trabalho de quem escreve não se limita aos livros.

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