Desapareceu Nelson Ned, o "Pequeno Gigante da Canção"
O cantor de Tudo passará morreu este domingo em São Paulo, um dia depois de dar entrada no hospital com uma grave pneumonia. Tinha 66 anos.
Amor, tudo amor, sempre amor. Como em Tudo passará, o seu maior êxito, a canção em que em 1969 foi o rastilho para uma carreira que lhe abriria as portas para o mundo. No Brasil, onde nasceu em 1947, na cidade de Ubá, estado de Minas Gerais, o seu imenso sucesso, porventura apenas ultrapassado, no que à música romântica diz respeito, por Roberto Carlos, foi sempre acompanhado pela sua colocação na categoria de cantor brega, ou seja músico pouco refinado, próximo do universo que, em Portugal, ganhou a designação “pimba” na década de 1990.
Não era visto assim noutras latitudes. Aquele que era conhecido como "Pequeno Gigante da Canção", devido à sua baixa estatura (tinha 1m12 de altura), e que gravou também extensa discografia em castelhano, foi o primeiro latino-americano a vender um milhão de discos nos Estados Unidos, país onde actuou ao lado de Tony Bennett ou Julio Iglesias em salas míticas como a nova-iorquina Madison Square Garden.
Há dois anos, em entrevista à Globo, afirmava com convicção ter sido “um dos melhores cantores do mundo”: “Fiz muito sucesso lá fora numa época nada globalizada. Fui o primeiro artista brasileiro a cantar no Canecão [mítica sala carioca] sozinho”. Quanto à classificação de cantor “brega”, recorreu ao exemplo da sua canção preferida, Tudo Passará, para a desvalorizar. “Quando a cantei num programa fui aplaudido de pé no meio da música. Isso é ser brega? Quem não é brega quando fala de amor? É o amor que é brega, não a minha música”.
Primeiro de sete filhos de um casal de Ubá, Nelson Ned chegou ao Rio de Janeiro aos 17 anos. O seu primeiro trabalho na cidade seria na linha de montagem de uma fábrica de chocolates. Foi tentando a sua sorte em clubes no Rio de Janeiro e em São Paulo e, em 1960, editaria a primeira canção, Eu sonhei que tu estavas tão linda. Precisaria no entanto de esperar nove anos até que a sua carreira arrancasse verdadeiramente. Garantiram-no a presença regular num popular programa da televisão brasileira, A Discoteca do Chacrinha, e a edição da canção que se tornou a sua assinatura, Tudo passará. Seguir-se-iam mais de três dezenas de discos e vendas de 45 milhões de cópias em todo o mundo.
O jornalista Paulo César de Araújo destacou à LUSA o “raciocínio rápido e visão crítica e lúcida com relação ao contexto da música”, acrescentando que, “no Brasil, Nelson Ned sempre fez muito sucesso entre as camadas mais populares, mas não há dúvidas que o seu reconhecimento e prestígio foram muito maiores no estrangeiro”.
Verdadeira superestrela na década de 1970, esbanjou a fortuna acumulada em “muita cocaína, muito champanhe, muita mulherada”, como contou em 2011 numa entrevista à TV Record. A partir da década de 1990, quando se converteu à Igreja Evangélica, deixou para trás êxitos como Tamanho não é documento, Não tenho culpa de ser triste ou Receba as flores que lhe dou para se dedicar em exclusivo à música cristã. Em 2003, o AVC que sofreu deixou-o cego de um olho, atirou-o para uma cadeira de rodas e impediu-o de continuar a sua carreira.
Homem de paixões, amante de inúmeras mulheres, dizia-se "um cantor romântico apaixonado": "sempre precisei de solidão, dor e amor para escrever". Casou-se duas vezes. Deixa duas filhas e um filho.