}

Reacções à morte de Alcino Soutinho

Foto
Alcino Soutinho, fotografado em 2009 Paulo Ricca

Um dos protagonistas da Escola do Porto

“A melhor homenagem que lhe posso fazer é destacar o papel fundamental que teve na Escola do Porto, como um dos seus maiores protagonistas. Ao mesmo tempo, foi uma pessoa que legou obras fundamentais para a arquitectura portuguesa, quer no âmbito do património – e estou a lembrar-me, por exemplo, do Museu Amadeo de Souza-Cardoso, em Amarante –, quer a Câmara Municipal de Matosinhos, que são obras paradigmáticas da arquitectura portuguesa da segunda metade do século XX. É uma pessoa que, enquanto exerceu actividade, marcou muito a arquitectura portuguesa. Teve a sorte de ter uma carteira de encomendas muito grande. Foi sempre reconhecido.
Envolveu-se também na área de ensino, na investigação; andou pelo estrangeiro... Foi uma personagem multifacetada. Por isso é que a Ordem dos Arquitectos o homenageou este ano.”

João Belo Rodeia
Arquitecto e presidente da Ordem dos Arquitectos

 
A arquitectura dele agarrava-se à terra

“Do ponto de vista humano, era uma pessoa completa: muito integra, muito amável, muito delicada e com um grande sentido de humor. É um amigo que se vai embora. Do ponto de vista da arquitectura, tinha muita experiência, muita maturidade. Tem uma arquitectura que de algum modo é reconhecível.
Há uns anos, entrevistei-o, e ele chamou-me a atenção para um facto que passei a reparar. A arquitectura dele agarrava-se à terra; ele não tinha muito interesse em grandes habilidades estruturais, edifícios no ar, que não estão apoiados. Ele gostava que se percebesse que os edifícios estavam apoiados, que tinham pilares, âncoras grossas no terreno. E isso era muito interessante, até porque passei a reparar e a arquitectura dele era muito isso. Era uma atitude bonita, porque a arquitectura não tem de passar só pelas grandes habilidades estruturais. Uma arquitectura solidamente ancorada no terreno pode provocar nos outros uma sensação de maior conforto, maior durabilidade, maior estabilidade, e tudo isso são atributos da boa arquitectura.”

Manuel Graça Dias
Arquitecto

 

Antifascista e uma das maiores figuras da arquitectura portuguesa


“Primeiro que tudo, foi um grande professor. Ajudou-me muito numa época difícil na Escola, no meu 4º Ano, quando ela quase estava para fechar. Pedagogicamente, ele deu importância à disciplina da Arquitectura. Não precisava de se afirmar politicamente – era um antifascista que tinha estado preso [antes do 25 de Abril de 1974].
E foi sempre impecável como pessoa, também. O seu Museu Amadeo de Souza-Cardoso, em Amarante, foi para mim uma referência quando fiz o meu primeiro projecto, para o Mercado de Carandá, em Braga.
Depois, tornou-se também um amigo. Não só porque trabalhava com o Siza – e amigo do meu amigo, meu amigo é –, mas também porque fizemos várias viagens juntos.
É uma das maiores figuras da arquitectura portuguesa. Mesmo se a sua obra não tem nada a ver com a do Távora ou a do Siza. E faz sentido chamar-lhe pós-modernista. Os mármores da Câmara de Matosinhos manifestam um certo prazer da decoração. Ele repôs a decoração, com alguma exacerbação de elementos às vezes quase barroca. Tinha uma linguagem efusiva, mas sempre muito bem-feita.
Tenho a sensação de que ele se marginalizou, assumiu ser um outsider, com uma maneira de ser e uma linguagem muito própria. Nunca se preocupou muito em ser publicado. Mas creio que, na última fase da sua vida, tinha alguma tristeza por achar que não tinha sido reconhecido como devia. O tempo se encarregará de corrigir isso”

Eduardo Souto de Moura
Arquitecto


É um arquitecto clássico

“Não creio que Alcino Soutinho seja um arquitecto pós-moderno. É um arquitecto clássico, com uma identidade muito própria, fora de qualquer catalogação. O pós-modernismo é uma corrente arquitectónica muito revisionista e que mimetiza as formas clássicas. Mas ele, quando muito, vejo-o mais próximo e influenciado pelo racionalismo italiano. É autor de uma obra muito tectónica, muito ligada à materialidade expressiva. Ele vai ao léxico da tradição clássica para construir arquitectura contemporânea, assumindo muito a presença dos materiais, a pedra, o mármore… e também o desenho – como se pode ver nos edifícios do BPI e da Bolsa de Derivados, no Porto, e também nos de Matosinhos.”

Nuno Brandão Costa
Arquitecto


Era um gentleman, encantador, cultíssimo...


“Era um homem encantador, e muito completo nas suas diversas facetas. Como arquitecto, foi uma pessoa fundamental, e também na própria Escola do Porto, como professor. Acho que é um excelente arquitecto, mesmo se o conheci mais do ponto de vista pessoal do que por trabalhar com ele – com quem só fiz o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira. Mas fizemos várias viagens juntos. Era um gentleman, encantador, cultíssimo… Era um prazer conversar com ele.
Gosto da sua arquitectura, mesmo se é difícil enquadrá-la. Ele foi sempre alguém que fugiu dos estereótipos. Edifícios como a Bolsa e o BPI, na Boavista, a pousada de Cerveira… e, claro, a Câmara de Matosinhos, que é uma obra fantástica.”

Rui Furtado
Engenheiro civil

Depoimentos recolhidos por Cláudia Carvalho e Sérgio C. Andrade

Sugerir correcção
Comentar