De Rembrandt a Bieber, o auto-retrato agora é um selfie e está na moda

O uso da palavra selfie aumentou 17.000% nos últimos 12 meses. Os auto-retratos captados por telemóvel e publicados nas redes sociais são a tendência de 2013.

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O actor australiano Liam Hemsworth num selfie com fãs Mario Anzuon/Reuters

Nunca se viram tantas selfies nas redes sociais, nem nunca se falou tanto nestes auto-retratos fotográficos tirados habitualmente com um telemóvel. Passear pelo Facebook, pelo Instagram ou pelo Twitter é tropeçar nestas fotografias e, consequentemente, nesta expressão. O seu uso na Internet aumentou como nenhuma outra palavra no último ano – 17.000%. E, por isso mesmo foi ontem eleita Palavra do Ano 2013 pelos editores dos Dicionários Oxford de Inglaterra. O próximo passo é incluí-la no Dicionário de Inglês de Oxford. Para já, tem apenas uma entrada no site OxfordDictionaries.com, com o significado formal: “Uma fotografia que uma pessoa tira a si mesma, geralmente com um smartphone ou uma webcam e que depois descarrega numa rede social na Internet”.

E é exactamente esta definição que afasta o mestre holandês Rembrandt (1606-1669), pintor de alguns dos auto-retratos mais conhecidos da pintura, verdadeiras obras-primas, de Justin Bieber, o músico canadiano que para dizer olá aos milhões de fãs, que o seguem nas redes sociais, tem por hábito publicar uma foto sua (na maior parte das vezes em tronco nu). Rihanna, Ashton Kutcher, Lady Gaga, James Franco, Miley Cyrus, Madonna ou Kim Kardashian são apenas alguns dos adeptos da selfie. Ora em frente ao espelho, ora de braço esticado, ora com o telemóvel em baixo, ora a fingir que não se estão a fotografar. Ora “eu” a acordar, ora “eu” a comer, ora “eu” às compras, num concerto ou a passear com os amigos. O que não faltam nas redes sociais são “eus” a fazer tudo e nada.

Até mesmo o Papa Francisco foi apanhado na onda e ajudou ainda a que o termo ganhasse uma maior popularidade quando em Agosto aceitou posar junto a um grupo de adolescentes numa fotografia tirada por um deles. O momento captado por um jornalista italiano, que dizia que “agora” já tinha visto tudo, rapidamente correu o mundo e multiplicou-se nas redes sociais.

Selfie, twerk e bing-watch
Graças a um sistema de pesquisa capaz de analisar 150 milhões de palavras da língua inglesa utilizadas na Internet todos os meses, os editores do Dicionários Oxford constataram “uma tendência fenomenal em 2013” no uso da palavra selfie, que ultrapassou em muito a célebre twerk, introduzida pela controversa dança da cantora norte-americana Miley Cyrus nos prémios da MTV, ou binge-watch, usada quando há visionamento múltiplo e rápido de episódios de um programa de televisão.

Em comunicado, a directora editorial do Dicionário Oxford, Judy Pearsall, explicou que selfie aparece no sítio de partilha de fotografias Flickr desde 2004, mas “o seu uso só se generalizou a partir de 2012, quando selfie passou a ser usado de forma corrente nos media”. Antes disso, já em 2002, a palavra tinha sido usada num fórum australiano quando o interveniente descrevia o seu auto-retrato, lamentando que a imagem não estivesse focada por se tratar de um selfie.

Para Judy Pearsall a influência das redes sociais na explosão do termo é clara, pelo imediatismo que é permitido. Eu tiro a fotografia agora e agora é quando os meus amigos e seguidores a podem ver e comentar. E essa ideia, segundo os especialistas, pode ser estimulante para algumas pessoas. “Uma selfie é uma expressão de uma identidade online activa, uma coisa sobre a qual tens algum controlo. Até podes tirar várias fotografias, mas publicarás só as que gostas”, explicou à BBC o psicólogo Aaron Balick.

Para a investigadora da UCLA Andrea Letamendi, “os auto-retratos permitem aos jovens adultos e aos adolescentes expressarem os seus estados de espírito e partilharem experiências importantes”, tendo um peso muito importante na sua vida. Ao publicarem estes momentos nas redes sociais, estas pessoas sentem-se parte de um mundo, que é cada vez mais digital.

Uma espécie de check-in
Ana Leorne, de 29 anos, é digital media executive e o termo selfie não lhe é nada estranho. E não é apenas pelo seu trabalho mas também como fã desta prática. “Dantes também tínhamos esta necessidade de sermos ‘amados’ enquanto crescíamos, mas agora podemos brincar às figuras públicas a imaginarmo-nos a sermos vistos e admirados por todo o mundo”, diz Leorne ao PÚBLICO, para quem a selfie “é uma forma de dizer olá a toda a gente que nos segue, uma espécie de check-in”. “E claro que é narcisista dizer ‘olha para mim no concerto X’ ou ‘comprei o vestido Y’, continua a digital media executive, acrescentando que estas selfies servem também como um diário. “Vejo as fotos mais tarde e consigo reconstruir onde estava e com quem. É ver a vida passar-nos diante dos olhos sem termos de morrer primeiro.”

Mas como em todas as modas, as críticas também são muitas. Principalmente por a selfie ter muito sucesso entre as adolescentes, que por vezes desconhecem, ou se esquecem, dos riscos da Internet. Ou se sujeitam mesmo à condenação pelos seus pares, quando estes não gostam das suas fotografias. E aqui, os especialistas alertam: é normal que os mais novos se virem para a Internet mas é preciso que saibam quais as fotografias que é aceitável que publiquem e quais as que não devem expor. De resto, “a forma como as crianças hoje pensam sobre a tecnologia, os media e a comunicação é muito diferente do que as pessoas dez anos mais velhas”, defendeu a psicóloga norte-americana Pamela Rutledge à Time. Não há nada de errado nas selfies, acredita a especialista.

Em Portugal, a Porto Editora costuma organizar uma votação para eleger a palavra do ano. A de 2013 deverá ser conhecida até Janeiro. “Entroïkado” foi a palavra de 2012, anunciada em Janeiro deste ano.
 
 

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