Ladrões de Picasso e Monet em Roterdão admitem roubo, mas acusam galeria de negligência
Radu Dogaru, Alexandre Bitu e Eugen Darie declararam-se culpados de roubo e tentativa de venda no mercado negro, mas exigem que o centro de arte Kunsthal pague parte da indemnização
O que aconteceu esta terça-feira em Bucareste, na terceira sessão do julgamento daquele que já é apelidado de “roubo do século”, foi mais um passo inesperado da defesa de Radu Dogaru, Alexandre Bitu e Eugen Darie – os três romenos detidos em Janeiro, quando a polícia detectou a sua tentativa de vender na Roménia Cabeça de Arlequim (1971), de Pablo Picasso, duas das célebres telas impressionistas de temática londrina (Waterloo Bridge e Charing Cross Bridge) que Claude Monet pintou no princípio do século XX, bem como Leitora em Branco e Amarelo (1919), de Henri Matisse, Mulher diante de Uma Janela Aberta, de Paul Gauguin, Mulher com os Olhos Fechados, de Lucien Freud, e um Auto-Retrato de Meyer de Haan, do final do século XIX.
“Podemos, claramente, falar de uma negligência com graves consequências”, disse aos jornalistas Catalin Dancu, advogado de Radu Dogaru, o cabecilha do grupo, à saída do tribunal, referindo-se aos argumentos usados momentos antes no julgamento e que tiveram por base um relatório da polícia holandesa da noite do crime. Catalin Dancu quer dividir culpas com o centro de arte porque nenhuma das obras roubadas estava protegida com um alarme próprio e porque o sistema de segurança do Kunsthal não foi capaz de impedir o roubo. O advogado explicou ainda que se não existirem respostas sobre quem é culpado pela falha no sistema de segurança do Kunsthal, que desta forma terá violado a lei holandesa no que toca às medidas de segurança dos museus, os acusados consideram a possibilidade de “contratar advogados holandeses para abrir processo legal na Holanda ou na Roménia”.
Com esta jogada, Catalin Dancu, escreve a AFP, pretende não só aliviar a pressão sobre o seu cliente como fazer com que este não tenha de pagar os 18 milhões de euros que a seguradora já teve de pagar no mês passado. Com a esperança reduzida de poder recuperar estas obras, a Fundação Triton, detentora dos quadros roubados, passou os direitos de propriedade a uma seguradora e recebeu então este montante que é agora exigido a Radu Dogaru.
Caso se considere que o Kunsthal foi mesmo negligente na protecção das obras aí expostas, terá de “dividir” esta indemnização, reduzindo assim o montante que Dogaru, que enfrenta uma pena mínima de sete anos de prisão, terá de pagar.
Numa tentativa também de reduzir a pena, Radu Dogaru, Alexandre Bitu e Eugen Darie declararam-se esta terça-feira culpados, admitindo o roubo das obras e a tentativa de venda no mercado negro – momento em que foram detidos e deixaram as obras com a mãe do cabecilha.
Um dos grandes problemas neste caso é a multiplicação de contradições em que os seus autores confessos o têm envolvido – seja para confundir as autoridades, seja como forma de chantagem. Quando, em Agosto, a primeira sessão do julgamento foi adiada, Radu Dogaru fez saber que, caso fosse julgado na Holanda, revelaria o paradeiro de cinco das pinturas. Pedido ignorado pelo tribunal, uma vez que não há sinais das obras de arte, que podem até já nem existir. Em Setembro, na segunda sessão do julgamento, o advogado dos réus disse à imprensa que cinco das sete pinturas estavam em trânsito para outro país “a leste”, referindo-se à Moldávia, e acrescentou que as outras duas pinturas roubadas estariam na Bélgica.
Por seu turno, Olga Dogaru, mãe de Radu Dogaru, disse em Março a uma rádio romena que, depois de ter escondido as pinturas numa casa abandonada em Caracliu, a 250 km de Bucareste, e de os ter enterrado depois no cemitério da vila, decidiu queimá-los, em Fevereiro, para fazer desaparecer quaisquer provas que pudessem incriminar o filho. Foi detida e constituída arguida e em tribunal disse que, afinal, tudo não passava de uma mentira.
No entanto, os exames periciais realizados às cinzas revelaram mesmo vestígios de pelo menos quatro pinturas a óleo cuja datação remonta ao período entre o final do século XIX e o início do século XX. E ao PÚBLICO, antes da sessão de Setembro, Ernest Oberlander-Tarnoveanu, que chefiou a equipa de investigação às cinzas, disse que “o mais provável é que tenham mesmo sido todas destruídas”, não acreditando nas palavras de Radu Dogaru quando diz que sabe onde estão as pinturas.