Até onde foi Hollywood para ajudar os nazis?
Novo livro defende que nos anos 1930 os grandes estúdios “colaboraram” com o regime de Hitler, o ditador que não gostava de Chaplin mas que sabia que o cinema era uma arma poderosa.
O envolvimento da indústria com os estúdios já era conhecido, mas agora o investigador garante que o material reunido lhe permite concluir que a “colaboração” – termo usado dos dois lados para descrever a natureza da sua ligação – entre Hitler e a indústria norte-americana de cinema envolvia autocensura nos filmes já produzidos e o abandono de projectos que poderiam conter críticas aos nazis.
Segundo Urwand, a relação era tão emaranhada que a MGM, o maior dos estúdios da época, chegou a investir no rearmamento alemão para assim contornar restrições à circulação de capitais (havia uma lei alemã que impedia a saída de dinheiro estrangeiro do país). “Não se pode ir mais longe do que ter o maior dos estúdios da América a financiar armamento um mês depois da Noite de Cristal [9 de Novembro de 1938, data em que várias lojas, sinagogas e outros lugares ligados aos judeus na Alemanha e na Áustria foram destruídos por ordem do regime]”, diz o historiador. A Paramount, por seu lado, aplicava parte dos lucros que fazia com o mercado germânico em pequenos documentários noticiosos que muitas vezes enalteciam os nazis.
Thomas P. Doherty, autor de Hollywood and Hitler, 1933-1939, outra obra lançada recentemente, lembra, no entanto, que há documentos que mostram que a atitude da MGM respeitava indicações do próprio Departamento do Comércio dos Estados Unidos. E o também historiador Steven Ross sublinha que os mesmos patrões colaboracionistas financiavam o combate à espionagem nazi em Hollywood.
“Nos anos 1930, os estúdios não colaboravam só recusando-se a fazer filmes que atacassem os nazis – também não defendiam os judeus nem tocavam no tema da perseguição alemã aos judeus”, diz o académico da Universidade de Harvard ao Observer. Na relação entre o Reich e Hollywood era bem claro que a última palavra pertencia sempre aos alemães, defende Urwand, com base em documentação até aqui inédita. A indústria, acrescenta ao diário americano The New York Times, colaborava “com Adolf Hitler, a pessoa, o ser humano”.
O mais paradoxal, sublinha o investigador, é que a maioria dos grandes estúdios estava na mão de imigrantes judeus, muitos chegados aos Estados Unidos para fugir aos nazis. Para o jovem Urwand, de 35 anos, tudo se resumia a uma questão de dinheiro: “Eles sentiam que Hitler poderia vir a ganhar a guerra e, por isso, queriam trabalhar com os nazis para preservarem os seus negócios.”
O começo de tudo
O receio de que o mercado alemão virasse as costas a Hollywood começou em Dezembro de 1930, quando o Partido Nazi protestou contra a exibição de A Oeste Nada de Novo (All Quiet on the Western Front, no original), filme de Lewis Milestone baseado no romance homónimo de Erich Maria Remarque, em que o autor escreve sobre o cansaço físico e mental dos soldados alemães durante a Primeira Grande Guerra (Óscar para Melhor Realizador e Melhor Produção, pela primeira vez na história da Academia). Encorajados por Joseph Goebbels, homem de confiança de Hitler que viria a ser ministro da Propaganda do Reich, membros do partido soltaram ratos e lançaram bombas de mau cheiro nas salas berlinenses onde o filme de Milestone estava a ser exibido.
Com medo de perder novas oportunidades de negócio, os patrões dos estúdios começaram a aceder aos pedidos do Governo alemão, explica-se na sinopse do livro The Collaboration disponível na Internet. E quando Hitler – que sabia reconhecer como poucos políticos do seu tempo o impacto que o cinema podia ter na opinião pública – chegou ao poder, os patrões da indústria cinematográfica passaram a lidar directamente com os seus representantes. O diálogo – mantido muitas vezes em reuniões entre executivos dos estúdios e o cônsul alemão em Hollywood, Georg Gyssling – podia acontecer ao mais alto nível, tendo chegado a envolver o próprio Goebbels e Louis B. Mayer, o lendário produtor a quem se atribui a criação do star system nos anos dourados da MGM.
“Não quis que o que eu escrevi sobre os judeus fosse generalizado, mas há certos judeus no negócio do cinema que decidiram trabalhar com líderes nazis”, continua o académico, lembrando que três dos maiores estúdios – a MGM, a Paramount e a 20th-Century Fox – só saíram da Alemanha em meados da década de 1940.
Urwand descobriu uma carta datada de Janeiro de1938, e assinada “heil Hitler”, em que a delegação alemã da 20th-Century Fox se manifesta interessada nas opiniões do führer sobre os filmes americanos. Explica ainda o investigador que Hitler gostava de produções que girassem à volta de líderes fortes, como Lanceiros da Índia ou Revolta na Bounty, e detestava Chaplin e o seu O Grande Ditador, como seria de esperar.
Deborah Lipstadt, historiadora do Holocausto da Universidade de Emory, está ansiosa por ler o livro do jovem Urwand e diz que ele pode ter em mãos um verdadeiro blockbuster. Em declarações ao New York Times a académica elogia-lhe a “audacidade da história” que tem para contar.
Ben Urwand, nascido na Austrália e com antepassados judeus (os seus avós maternos fugiram da Hungria e passaram os anos da guerra escondidos), começou o projecto que agora vai dar um livro em 2004, quando deu com uma entrevista em que o argumentista Budd Schulberg se referia vagamente a reuniões entre o produtor Louis B. Mayer e o cônsul alemão em Los Angeles para discutir cortes nos filmes.