Forced Entertainment: a contar histórias bem contadas desde 1984

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Desde 1984 que os Forced Entertainment são um rasgo na paisagem inglesa Fotos: Agnés Mellon

Os Forced Entertainment têm-nos contado histórias que parecem nossas. Agora não sabem o fim do que nos querem contar

Nada de mal pode acontecer, quando uma história é bem contada. E ninguém contará histórias tão bem como o colectivo inglês Forced Entertainment. Desde 1984, têm-nos oferecido espectáculos que funcionam como rasgos numa paisagem - a inglesa - que deu ao texto, à importância da palavra e aos efeitos das imagens por ela criadas uma liberdade que não imaginaríamos possível noutro lado.

Essa é, aliás, a linha principal dos espectáculos ingleses este ano em Avignon, onde o artista associado é, precisamente, o encenador e autor inglês Simon McBurney. Mas há diferenças substanciais entre o teatro de McBurney, onde a palavra é, demasiadas vezes, um recurso visual, a inteligência da construção em rede sugerida por Katie Mitchell e a sobrevivência a um jogo de colisões entre forma e material na base do teatro do Forced Entertainment.

Em The Coming Storm, uma das duas peças que apresentam em Avignon, usam o modelo clássico das well made stories para reflectir sobre o modo como o teatro problematiza esse princípio narrativo. A peça abre com uma das actrizes, Terry O"Connor, a explicar o que é necessário para que uma boa história possa ser contada: "Ela deve conter um início claro e honesto, uma personagem central carismática, um vilão que se possa seguir, mistérios, mal-entendidos, coincidências, drama, tensão..." São princípios claros e genéricos que os actores tratarão, depois, de pôr em causa através de uma manipulação dessas mesmas histórias, muitas delas, dizem, autobiográficas.

Tim Etchells, o director artístico da companhia, usava na conferência de imprensa um esquema como só o pensamento inglês consegue produzir para desmontar a peça: "Um palco vazio, uma lista que descreve o que é necessário para uma boa história, passados 30 minutos começa tudo a ficar cada vez "mais teatral", e aos 50 minutos pergunta-se como se chegou aqui e perde-se o controlo da viagem até ao fim da peça, com quase duas horas de duração."

Aquilo a que Etchells chama "maquinaria teatral", que o colectivo gere, "como se os actores tivessem nascido no palco", para usar uma expressão de um dos espectadores à saída da peça, é um combate "entre dois impulsos": "uma aproximação minimalista, muito simples, que parte de um palco vazio e de algumas improvisações", e de um impulso "para o caos", onde tudo se contrasta, onde "nada parece fazer sentido e depois tudo entra em colapso".

É verdade que em The Coming Storm não são tanto as histórias que importam, mas o modo como são contadas e, sobretudo, o modo como cada actor as tenta contar. Se esquecermos que está tudo previsto, podemos perceber que o essencial do trabalho do colectivo continua vivo: o dinamitar das estruturas narrativas, o questionamento das suas fontes, a interrogação da forma teatral.

É também verdade que a peça avança pouco relativamente a uma parente directa, A Void Story, de 2009, onde, ao microfone, como se num programa de rádio, a companhia narrava um conjunto de ficções que se iam alterando conforme quem as contava. Agora, diz Tim Etchells, "as diferentes histórias cruzam-se para poderem criar algo de novo", sendo o palco, e o espectáculo, "um ponto de encontro entre os diferentes materiais", deixando que seja o espectador a fazer as ligações. Mas o modo como o fazem, num jeito nonchalant, "e criando uma paisagem teatral por inteiro", dizia o jornal local La Vaucluse, sugere uma melancolia que parece deixar ao abandono a própria peça.

Segundo Etchells, essa melancolia virá da "possibilidade de as histórias serem interrompidas" e, por isso, não poder haver a sensação de controlo, por quem vê, de uma conclusão. Como se, afinal, não pudéssemos partilhar aquela história. Essa "chamada de atenção pelo real", como explicava Cathy Naden, uma das actrizes do colectivo, é a chave que liga The Coming Storm à outra peça que apresentam em Avignon, Tomorrow"s Parties, na programação paralela La 25ème heure, apresentada durante os últimos três dias às 00h30.

Ao contrário de The Coming Storm, nessa peça, as histórias são amplamente ficcionadas a partir de notícias de jornais ou livros de ficção científica. Os dois actores em palco inventam um futuro num jogo que é "uma elaboração sobre o futuro e uma reflexão sobre o presente".

São ambas jogos, e histórias bem contadas, no sentido romancesco do termo. Mas entre uma e outra, na distância entre a pequena narrativa individual e a grande narrativa do destino do mundo, o colectivo sugere "um comprometimento político" com o espectador. Diz Etchells na entrevista incluída no programa: "Cada espectáculo reforça e reinventa uma relação com quem nos vê, ao mesmo tempo que, ao nos dirigirmos directamente ao espectador, permitimo-nos a criar um presente imediato. Como se lhe disséssemos: vamos criar alguma coisa juntos". Precisamente, uma história para depois ser contada.

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