Django Libertado na guerra entre liberais e conservadores

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Jamie Foxx, o escravo libertado DR

E Spike Lee já disse que não vai ver. Considera "desrespeitosa" a forma como Tarantino aborda a escravatura

 

“A escravatura americana não foi um western spaghetti de Sergio Leone”. E assim Spike Lee se pronunciou, através do serviço de micro-blogging Twitter, sobre Django Libertado, o novo filme de Quentin Tarantino – que, no entanto, ainda não viu. Nem quer ir ver, como disse à revista Vibe. O que não impediu o autor de Não Dês Bronca e A Febre da Selva, que nunca teve problemas em atirar-se de cabeça para uma boa briga verbal, de considerar o filme “desrespeitoso para com os [seus] antepassados”.

É o mais recente episódio do “arrufo” entre os dois realizadores, que já data de Jackie Brown e do modo como Tarantino usou nesse filme a muito pouco politicamente correcta palavra nigger. Que é ouvida em Django Libertado, pelas últimas contas, mais de uma centena de vezes (e, ainda por cima, de modo historicamente correcto).

Apesar dos galhardetes, Spike Lee acaba de pôr o dedo na ferida que, agora que Django chegou às salas americanas com apreciável resposta do público, vai fazer o novo Tarantino assumir um lugar nas “guerras culturais” americanas como nenhum filme seu antes. A história de um escravo libertado (Jamie Foxx) disposto a fazer os sulistas brancos pagar por todo o mal que lhe fizeram chega em pleno centro de um debate que pretende “duplicar” na polarização política da América contemporânea o mapa do país em meados do século XIX, antes da Guerra Civil, dividido entre um norte liberal e um sul teimosamente conservador.

Visto que Hollywood se está cada vez mais a tornar num “pára-raios”, não é surpreendente que Django Libertado seja o mais recente exemplo disso: Peter Travers, numa entusiástica crítica na Rolling Stone, dizia haver no filme motivos para todos os espectadores sairem ofendidos da sala. Ainda antes de Django chegar às salas já o site Drudge Report orquestrara uma chuva de comentários online em críticas, acusando o filme (que ainda não tinham visto) de traficar nos estereótipos de um Velho Sul pró-escravatura.

É nesse âmbito que o escritor e comentador Stephen Marche, na edição online da revista Esquire, chama a Django Libertado tão “perfeitamente Tarantinoesco” como “historicamente preciso”. “O próprio Tarantino apontou correctamente que é impossível fazer um filme tão terrível como era a escravatura na realidade. Tem razão.” Kurt Loder, na revista online Reason, descreve-o como “a mais selvagem descrição cinemática da escravatura jamais feita”.

A. O. Scott, no New York Times, chama-lhe “um filme perturbante e importante sobre a escravatura e o racismo”, devido ao modo como transfere as histórias de vingança até aqui exclusivas dos brancos no cinema americano para os negros num filme mainstream. “A vingança na imaginação americana tem sido a prerrogativa praticamente exclusiva dos homens brancos,” escreve. “A ideia da violência regenerativa poder ser usada pelos negros contra os brancos tem sido quase literalmente impensável.”

E Scott Foundas, na Village Voice, aponta: “a escravatura tem estado notavelmente ausente do cinema de Hollywood no século que passou desde O Nascimento de uma Nação de D. W. Griffith”. O crítico chama a Django “um acto de provocação e de reparação que vai ser mais difícil de engolir para algum do público que aclamou os vingadores judeus de Sacanas sem Lei.”

Mas, aparentemente, não só o público. Richard Lawson, da revista The Atlantic, e Dana Stevens, da Slate, levantam questões de moralidade. Para Lawson, “o sul dos dias pré-Guerra Civil não são, na verdade, o sítio certo para Tarantino andar a vangloriar-se do muito que sabe sobre o assunto”. Stevens, por seu lado, escreve: “a intenção de Tarantino pode ter sido demonstrar os horrores da escravatura, mas há algo no seu deleite directorial nestes actos de violência racial que me deixaram mal-disposta não só fisica mas também moralmente.”

Para já, é certo que a reacção a Django Libertado não atingiu ainda o nível do debate sobre 00.30 A Hora Negra de Kathryn Bigelow, o filme sobre a caça a Osama bin Laden que tem polarizado a comunidade política americana.

Mas ainda é cedo.

 

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