Cancro da mama mortal revela ser, já de início, um ecossistema em evolução

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O cancro da mama atinge, em 16% dos casos, mulheres com menos de 40 anos e é muito agressivo Nelson Garrido

Equipa internacional com liderança portuguesa revela pela primeira vez a grande diversidade genética de certos cancros da mama

Por que é que um mesmo tipo de cancro da mama pode reagir de forma tão diferente aos tratamentos? Por que é que alguns tumores são sensíveis às terapias, enquanto outros teimam em lhes resistir? Os resultados de uma equipa internacional liderada por dois portugueses, que foram publicados ontem online na revista Nature, desvendam o enigma. Recorrendo a avançadas técnicas de sequenciação do ADN, mostram, pela primeira vez, que na altura do primeiro diagnóstico do cancro da mama dito "triplo negativo", o tumor de cada doente já possui uma história "pessoal", porque já sofreu, mesmo nesta fase muito inicial, uma evolução genética individualizada.

"A possibilidade de estudar e descodificar a diversidade [genética] de uma forma sistemática, em tumores nos doentes, está a revolucionar a capacidade de entender os tumores como miniecossistemas", diz ao PÚBLICO Samuel Aparício, cientista português radicado no Canadá, onde trabalha na Agência do Cancro da Columbia Britânica em Vancôver - e co-autor principal, com Carlos Caldas, da Universidade de Cambridge, Reino Unido, dos resultados agora publicados.

Os cancros da mama triplo negativos são assim chamados porque as suas células não apresentam, à superfície, nenhum de três receptores habituais: o dos estrogénios e o da progesterona (as hormonas sexuais femininas) e o da herceptina, uma proteína também associada aos cancros da mama. Este tipo de cancro representa 16% dos casos, afecta sobretudo mulheres com menos de 40 anos e é particularmente agressivo. Para mais, os próprios cancros triplo negativos demonstram uma grande variabilidade, de doente para doente, na sua resposta aos tratamentos - cirurgia, quimioterapia, radioterapia - que lhes são aplicados.

Os cientistas sequenciaram agora o ADN de 104 tumores primários de cancro da mama triplo negativo e descobriram que eram todos diferentes. "No nosso estudo", diz-nos Samuel Aparício, "a evolução presente em cada tumor, no momento do primeiro diagnóstico, revela uma grande variação entre doentes, embora do ponto vista clínico os tumores sejam considerados a mesma doença." Isto permite explicar, segundo ele, por que é que a resposta dos cancros triplo negativos aos tratamentos é tão variável.

O futuro do tratamento do cancro passa portanto pela personalização das terapias? "Esperamos que sim e a possibilidade de perceber, eventualmente ao nível das células individuais, quais são os "clones" [grupos de células descendentes de uma única célula] e as mutações que respondem [às terapias] em cada ecossistema será uma arma potente para estudar o impacto dessas terapias. Já estamos a trabalhar nessa direcção", responde Samuel Aparício.

"Estamos a construir o mapa do cancro da mama", diz-nos por seu lado Carlos Caldas, colega e amigo de longa data de Samuel Aparício, com quem trabalhou quando este último ainda estava em Cambridge - e com quem continua a colaborar estreitamente, apesar de haver hoje um oceano entre eles. "O facto de caracterizarmos todos os genes mutados num tumor é o primeiro passo na determinação dos padrões de mutações e das melhores terapias para combater a doença", explica Carlos Caldas. "É como um código de barras do tumor, que também poderá servir para monitorizar a resposta do tumor à terapêutica", através de análises ao sangue que detectem a quantidade de ADN mutado na circulação das doentes.

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