Portugal adere a observatório que anda à caça de raios cósmicos
O grande detector que vai tentar apanhar partículas de alta energia, vindas do cosmos, está em fase final de construção na Argentina
Portugal acabou de se tornar membro de pleno direito do Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger, um projecto científico que envolve mais de 250 cientistas de 17 países. O anúncio foi feito ontem pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Lisboa, que coordena a participação portuguesa no esforço internacional para caçar as partículas invisíveis do cosmos que chegam numa chuva constante à Terra. Os raios cósmicos viajam à velocidade da luz e são quase todos protões, mas também podem ser núcleos de átomos. Alguns (poucos) têm muita energia: é como pôr num único protão o equivalente à energia de uma bola de ténis atirada pelo tenista norte-americano Andy Roddick, que detém o recorde da velocidade no serviço, que é cerca de 250 quilómetros por hora.
"Não temos ideia como é que as partículas podem ter esta energia enorme. O quebra-cabeças é saber como é que a natureza se organizou para pôr toda essa energia numa única partícula", explicava ao PÚBLICO o físico Alan Watson, um dos fundadores do Observatório de Pierre Auger, quando esteve em Lisboa, em Setembro de 2005, para negociar a adesão de Portugal.
"O objectivo é saber de onde vêm os raios cósmicos de alta energia", acrescentou Watson, o principal investigador do projecto, da Universidade de Leeds (Reino Unido). Galáxias activas, buracos negros ou matéria escura (cuja radiação não é detectável, mas sabe-se que existe pelos efeitos que exerce na matéria vulgar) são algumas hipóteses.
Para tentar desvendar este mistério da natureza, Watson e James Cronin, da Universidade de Chicago, nos EUA, e um dos galardoados com o Nobel da Física em 1980, propuseram a construção de um detector gigante, em 1992.
Neste momento, o detector que o observatório vai ter no Hemisfério Sul está em fase final de construção na Pampa Amarilla (Argentina), uma planície de 1400 metros de altitude, onde as vacas fazem parte do cenário. Estende-se por três mil quilómetros quadrados, pois, na verdade, é composto por 1600 detectores separados entre si por 1,5 quilómetros. Os primeiros detectores para caçar raios cósmicos limitavam-se a dez quilómetros quadrados.
O detector da Argentina tem de ocupar tanto espaço - cerca de 35 vezes a área da cidade de Lisboa - porque chegam à Terra muito poucas partículas de alta energia. Não será mais de uma partícula por quilómetro quadrado em cada século, por isso para se detectarem várias em pouco tempo é preciso um detector que se estenda por muitos quilómetros quadrados. Quando estiver concluído, o que ocorrerá até 2007, espera-se que apanhe cerca de 30 partículas de alta energia por ano, escrevia o jornal espanhol El País, em Janeiro, sobre o detector. Para Watson, essas partículas mais raras são os "diamantes" dos raios cósmicos: "São fascinantes, porque não sabemos como obtiveram a sua energia. Talvez o processo que lhes deu energia nos dê informações sobre novas leis da física."
Os EUA são o principal contribuinte do detector, cuja construção custará 50 milhões de dólares (41,6 milhões de euros), mas a França, a Itália e a Alemanha também fazem parte do lote dos países que mais pagam. Portugal contribuirá para aquele montante com 100 mil dólares (83,2 mil euros), a pagar durante este ano, segundo o acordo de adesão, assinado em meados de Fevereiro, pelo Gabinete de Relações Internacionais da Ciência e do Ensino Superior, pelo LIP e por Watson.
Portugal pagará ainda, todos os anos, cerca de três mil dólares (2500 euros) por cada investigador doutorado que trabalhe no observatório, destinados às despesas de operação. A participação portuguesa será assegurada pelo LIP: o físico Mário Pimenta, director e investigador daquele laboratório, coordenará uma equipa de oito doutorados, dois estudantes e um técnico. "Não quer dizer que não haja investigadores de outras instituições que colaborem connosco, mediante acordo", disse Mário Pimenta.
Com esta adesão, a ciência portuguesa continua a internacionalizar-se, já que muita investigação só é possível em cooperação. O país participa, por exemplo, no Laboratório Europeu de Partículas, na Agência Espacial Europeia ou na Organização Europeia de Biologia Molecular.