Vêm do espaço os sinais que nos vão ajudar a medir as ondas do mar com precisão
Portugueses da empresa Deimos Engenharia ganharam financiamento europeu para desenvolver tecnologia que recorre aos sinais como os do GPS para fazer altimetria oceânica.
Durante o temporal desta semana, o investigador e especialista em Hidráulica da Universidade do Porto Veloso Gomes queixou-se, em declarações ao PÚBLICO, da dificuldade de obter dados em tempo real da altura das ondas – e de outros parâmetros, como o seu período de passagem. Estes são medidos por sondas chamadas ondógrafos, instalados em bóias, tecnologia bastante susceptível a avarias e outros problemas que a deixam inoperacional. No Instituto hidrográfico, o tenente Quaresma dos Santos assumiu, por exemplo, que a Marinha estava há um mês há espera que o mar permitisse colocar no lugar duas bóias que fazem medições na Nazaré.
Os problemas das actuais tecnologias – medição não muito fiável, inconstância por causa das condições do mar, e custos elevados de instalação e manutenção – são uma oportunidade para a Deimos Engenharia, uma empresa parceira da Agência Espacial Europeia que há algum tempo vem testando, no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, uma alternativa com precisão milimétrica, independente das condições meteorológicas e bem mais barata. Em termos materiais, basta ter, grosso modo, um ou dois receptores de sinal de satélites dos vários sistemas de geoposicionamento global – o GPS, norte-americano, o chinês BeiDou, o russo Glonass e o europeu Galileo, e duas antenas bem afinadas. Uma para receber o sinal que vem directamente do céu e uma outra capaz de ler o sinal de satélite reflectido pelo mar.
A tecnologia GNSS-R (Reflectometria a partir de Sistemas de Satélites de Navegação Globais) está em franco desenvolvimento, e o seu uso na altimetria oceânica está já a ser testado pela Deimos no projecto SARGO, financiado pelo Quadro de referência Estratégico Nacional, numa parceria com o Instituto Hidrográfico, entidade que em Portugal gere os dispositivos colocados na costa, e os respectivos dados. O protótipo do SARGO tem sido colocado no Padrão dos descobrimentos, a 50 metros de altura, para sessões de medição das águas mais calmas do Tejo através de sinais do Galileo. Afinado, será capaz de medir, por exemplo, as ondas do canhão da Nazaré, explicou ao PÚBLICO um dos responsáveis pelo projecto, Nuno Catarino.
O actual Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento financiará com 2,8 milhões de euros este trabalho de desenvolvimento da tecnologia GNSS-R para o Galileo, dando assim o aval ao projecto European GNSS-R Environment Monitoring ( E-GEM), coordenado pela Deimos Engenharia, que tem como parceiras dez entidades europeias: a Universidade Politécnica da Catalunha, o Conselho Superior de Investigações Científicas, a Universidade de Salamanca (ambos em Espanha), o Instituto Francês de Investigação e Exploração do Mar (Ifremer, em França), o Centro Nansen para o Ambiente e Detecção Remota e o Instituto de Investigação do Norte (Noruega), o Departamento de Engenharia Civil e Informática da Universidade de Roma Tor Vergata e o Departamento de Engenharia Electrónica e de Telecomunicações da Universidade La Sapienza (Itália), e o Centro de Investigação Alemão para as Geociências (Alemanha).
A utilização destes aparelhos não se esgotará nas ondas do mar. Nuno Catarino adianta que a mesma tecnologia pode ser usada para, por exemplo, medir quantidades de biomassa num terreno conjugando dados da reflexão dos sinais GNSS que tocam no solo com os daqueles que são reflectidos pela copa das árvores. Conhecendo-se o arvoredo em questão, e o seu desenvolvimento normal, conseguimos, matematicamente, calcular a massa de vegetação existente num dado lugar, explicou. Aliás, neste projecto financiado pela União Europeia, para além do desenvolvimento de um aparelho fixo, semelhante ao SARGO, está prevista a adaptação da tecnologia a um veículo aéreo não tripulado (os famosos drones) e a um micro-satélite que em 2015 será colocado numa órbita a 1200 quilómetros da superfície da Terra, bem abaixo dos 25 mil quilómetros a que estão os sistemas GNSS.