Trio de físicos questiona descoberta de ondas gravitacionais primordiais

Para confirmar (ou não) a detecção, anunciada em Março, dos ecos no espaço-tempo da expansão inicial do Universo, vai ser preciso esperar por novos resultados vindos do satélite Max Planck da Agência Espacial Europeia, afirmam três cientistas.

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Mapa da radiação cósmica de fundo do Universo, 380 mil anos após o Big Bang NASA/WMAP

Outros especialistas tinham logo posto em causa, também no arxiv.org, a espectacular descoberta, anunciada em Março, das chamadas ondas gravitacionais primordias – o eco que nos chega hoje da brutal expansão (ou “inflação”) sofrida pelo Universo, quando este era um grãozinho mais pequeno do que um átomo e tinha apenas um décimo de bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo de segundo de vida. Mas ao passo que aquelas primeiras críticas eram sobretudo teóricas, as dúvidas que Hao Liu, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca), e dois colegas nos EUA e no Reino Unido levantam agora são muito mais concretas.

Recorde-se que, para detectar as ondas gravitacionais primordiais, John Kovac, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (EUA), e colegas utilizaram um telescópio chamado BICEP, instalado no Pólo Sul e concebido para observar os vestígios da luz emitida pelo Big Bang, que está hoje presente em todo o cosmos sob forma de microondas: a chamada radiação cósmica de fundo.

A ideia era que, se o Universo sofrera de facto uma tal expansão inicial, ela deveria ter deixado alguma (não importa quão diminuta) marca característica na polarização (difusão) dessa “luz” antiga que é a radiação cósmica de fundo. Foi portanto essa marca – um padrão de polarização que só pode ser devido às ondas gravitacionais – que os cientistas do BICEP procuraram durante anos. E foi esse sinal que, há umas semanas, anunciaram ter detectado.

Mas agora, a equipa de Hao Liu apresenta dados que sugerem que, por enquanto, não é possível excluir que esse padrão de polarização tenha sido produzido pelas cinzas provenientes de uma explosão estelar – uma supernova – na nossa galáxia (cujas poeiras seriam igualmente capazes de polarizar a radiação cósmica). Apesar de todas as cautelas que a equipa de Kovac teve para apontar o telescópio para longe da Via Láctea, isso poderá não ter sido suficiente.

Kovac e colegas olharam para o espaço com o BICEP numa direcção que, supostamente, fazia com que a presença de poeiras na sua linha de mira não perturbasse muito as medições. Mas os autores do presente artigo no arxiv.org argumentam que a equipa de Kovac não teve em conta, nos seus cálculos, certas estruturas derivadas das supernovas que formam “cascas” de poeiras por cima do disco galáctico – e que, nos mapas que obtiveram a partir das suas próprias pesquisas, uma dessas estruturas se encontra precisamente na parte do céu que foi perscrutada pelo BICEP.

No pior dos casos, lê-se na revista New Scientist, a correcção do efeito das poeiras, muito maior do que previsto inicialmente, poderia apagar totalmente o sinal que a equipa de Kovac identificou como sendo característico das ondas gravitacionais primordiais. Todavia, num cenário mais positivo, a presença destas poeiras adicionais também poderia permitir explicar por que é que o sinal das ondas gravitacionais detectado na radiação cósmica de fundo revelou ser duas vezes maior do que as estimativas baseadas nas observações feitas, em 2013, pelo satélite Max Planck da Agência Espacial Europeia.

Aliás, até ao final deste ano, este satélite europeu deverá realizar novas medições da polarização da radiação cósmica de fundo e do contributo das poeiras galácticas para o fenómeno. Essas medições, concluem Hao Liu e colegas, “serão cruciais” para decidir entre os dois cenários.

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