Três factos “notáveis” sobre a atribuição de financiamento pela FCT
É notável que um centro de investigação que, em resultado do trabalho desenvolvido, melhora claramente a sua classificação tenha o seu orçamento reduzido em mais de dois terços.
A última avaliação dos centros de investigação tem suscitado, nas diversas várias fases do processo, reações muito críticas por parte da comunidade científica, às quais os órgãos de comunicação social têm dado alguma cobertura, em particular o jornal PÚBLICO, que dessa forma tem contribuído para que os próprios centros — e a sociedade em geral — fiquem cientes do que têm sido as ilegalidades e a falta de transparência que caracterizam este processo de avaliação. Nessas críticas tem sido realçada uma política de destruição da investigação científica no país, depois de anos em que a aposta na ciência foi visível e impulsionadora de um desenvolvimento sustentado.
O centro que representamos — o CIIE-UP (Centro de Investigação e Intervenção Educativas/Universidade do Porto) — passou com sucesso todas as fases do processo de avaliação, mas, mesmo assim, encontrou motivos que justificaram a contestação da sua avaliação em sede de audiência prévia, como fizeram 123 dos 178 centros que passaram à segunda fase.
Dos 17 centros de investigação em Ciências da Educação existentes em Portugal, e que se sujeitaram ao processo de avaliação, apenas 3 passaram à segunda fase. O CIIE, embora tendo o 2.º lugar na classificação final, obteve um financiamento incompreensivelmente baixo, o que inviabiliza o cumprimento do plano estratégico que lhe permitiu atingir esse 2.º lugar, com a classificação de Muito Bom.
Este é o primeiro facto notável deste processo: melhorar para piorar. Em 2007, o CIIE-UP foi avaliado pela FCT com a classificação de Bom. Com essa classificação, o CIIE teve, entre 2008 e 2014, um financiamento muito superior ao que agora a FCT lhe quer atribuir. Tendo no passado (com a classificação de Bom) 124.820 euros por ano, com Muito Bom, a FCT quer atribuir-lhe 38.854 euros, ou seja, menos de um terço do financiamento anterior. É notável, de facto, que um centro de investigação que, em resultado do trabalho desenvolvido, melhora claramente a sua classificação, tornando-se o segundo centro com classificação mais elevada a nível nacional na área da Ciências da Educação (21 pontos, num total de 25), tenha o seu orçamento reduzido em mais de 2/3. A uma melhoria clara do ponto de vista científico, a FCT faz corresponder, paradoxalmente, uma deterioração expressiva do apoio financeiro atribuído para a realização dos trabalhos previstos e avaliados.
Segundo facto notável: a seriedade orçamental não compensa. Para o período 2015-2020, o CIIE-UP, no plano estratégico classificado com Muito Bom, apresentou uma proposta de orçamento de “financiamento estratégico” que teve em conta não apenas os trabalhos a realizar nesse período, mas também a difícil situação económico-financeira do nosso país. Esta proposta envolvia valores anuais idênticos aos que tinham permitido ao CIIE melhorar a sua atividade e a sua classificação no período anterior. O próprio painel de avaliação da FCT qualificou o orçamento apresentado como “modesto”. Em contexto de crise, entendemos tal qualificativo como um elogio. Ser modesto é estar consciente de que, num contexto de grave crise económica, o financiamento que sustenta a produção científica deve ser tratado com muito respeito. Aliás, o CIIE obteve nota máxima no Critério D “Exequibilidade do programa de trabalhos e razoabilidade orçamental proposta”. Desconhecíamos que, a posteriori, a FCT iria introduzir uma regra “cega” que definiu que aos centros de investigação avaliados com Muito Bom seriam apenas atribuídos 36 a 44% do financiamento estratégico proposto. Por outras palavras, em vez de fazer, como lhe competia, uma avaliação orçamental que considerasse em que medida as verbas indicadas pelos centros eram justas e razoáveis em função dos objetivos propostos, a FCT aplicou um critério “administrativo”. Quem tinha um orçamento irrealista e irrazoável, com quantitativos muito “alargados”, teve 36 a 44%; quem tinha um orçamento realista e razoável, teve também 36 a 44%, mas, porque apenas indicou o financiamento necessário, não tem condições para cumprir o plano com que se comprometeu. Conclui-se que a seriedade orçamental não compensa.
Terceiro facto notável: o financiamento base desapareceu. O Regulamento da FCT distinguia claramente entre “financiamento base” (o montante mínimo a atribuir pela obtenção de uma determinada classificação, e que visa assegurar os “serviços mínimos” de funcionamento) e “financiamento estratégico” (o montante variável e que serviria para financiar o programa estratégico que esteve na base da avaliação). Estranhamente, quando divulga os resultados da avaliação dos centros, a FCT faz desaparecer o “financiamento base”, declarando que o financiamento atribuído integra ambas as parcelas, sem apresentar qualquer justificação. Presumimos que o possa ter feito para escapar ao ridículo. De facto, por exemplo, no caso do orçamento do CIIE, qualificado de “modesto” na avaliação, se fosse aplicada a distinção entre “financiamento base” e “financiamento estratégico”, a FCT seria forçada a reconhecer que atribui cerca de 500 euros por ano para o financiamento da investigação constante do plano estratégico, valor obviamente risível. Nada risível é aquilo que consideramos constituir uma violação clara do princípio da transparência, questão grave em procedimentos desta natureza, fazendo desaparecer por baixo dos nossos olhos elementos do Regulamento definido pela própria FCT.
Estes factos notáveis não podem deixar de ser expostos publicamente. O sentimento de justiça assim o exige. Há neste processo injustiças de ordem diversa: da insensibilidade ao mérito, num sistema supostamente meritocrático, às injustiças processuais, passando pela “simples” desconsideração da razoabilidade e do bom senso. Estes factos “notáveis” não podem passar sem que lhes seja manifestada oposição. Aqui e em todas as instâncias que se revelem adequadas.
Helena C. Araújo, Amélia Lopes, Isabel Menezes, Carlinda Leite e Tiago Neves
Direção do Programa Estratégico do CIIE-UP (Centro de Investigação e Intervenção Educativas/Universidade do Porto)