Satélite europeu Gaia vai observar à lupa os mistérios da Via Láctea
Mil milhões de estrelas da Via Láctea vão ser cartografadas com uma precisão sem precedentes para responder a questões fundamentais sobre o Universo. Projecto tem a participação de cientistas portugueses.
Mapear os astros é um trabalho milenar. O primeiro grande catálogo de estrelas foi feito por Hiparco de Niceia, matemático grego, durante o século II a.C. Desde então que os astrónomos foram fazendo astrometria, o ramo da astronomia dedicado à medição da posição dos astros e à determinação dos seus movimentos. Mas na década de 1970, a disciplina esgotou-se. A atmosfera terrestre só permitia determinar a posição de estrelas até a uma determinada distância e a única solução para se avançar nesta disciplina era ir para o espaço, onde não há atmosfera para perturbar as observações.
Em 1989, o satélite Hiparco foi lançado, medindo a posição de 120 mil estrelas da nossa galáxia. Gaia vai fazer o mesmo mas com uma capacidade muito aumentada, tornando-se na máquina mais potente e precisa até agora a fazer isso, capaz de medir distâncias de estrelas com um erro de apenas 1%. Estima-se que o novo aparelho vá conseguir determinar a distância, a posição e o movimento de 1% das estrelas de toda a Via Láctea. Se o satélite Hiparco tinha uma precisão suficiente para medir, a partir da Terra, a altura de uma pessoa na Lua. A precisão do Gaia permite medir agora a largura de uma moeda na Lua.
Como é que vai encontrar todas estas estrelas? “Vamos atirar o satélite para a sua órbita e depois começará a medir todos os objectos até um certo nível de brilho”, explica ao PÚBLICO André Moitinho de Almeida, professor e astrónomo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que coordena as várias equipas portuguesas, de instituições diferentes, a trabalharam neste projecto, que está a ser concebido desde 1995.
Apesar da grande maioria das estrelas da Via Láctea ficarem fora do olho do Gaia – ou porque o seu brilho é pequeno ou por estarem tão longe que se tornam indistintas –, a informação total produzida pelo aparelho será na ordem das várias centenas de terabytes. O catálogo final, a ser publicado em 2021, terá tanta informação que a equipa que André Moitinho de Almeida lidera na Faculdade de Ciências está já a criar formas para tornar esta informação pesquisável.
“Estamos a criar um sistema que permitirá visualizar todos os dados do Gaia. Para que qualquer cientista possa, com o seu computador pessoal, olhar e explorar o catálogo”, explica o cientista. A lista, que será de livre acesso, só estará completa quando for integrada neste sistema.
O satélite, que custou 740 milhões de euros e pesa duas toneladas, vai ser lançado por um foguetão Soiuz-Fregat da base espacial de Kourou, na Guiana Francesa. Se tudo correr bem, demorará cerca de um mês até atingir um ponto fixo em relação à Terra, que fica a 1,5 milhões de quilómetros de distância entre o nosso planeta e a órbita de Marte.
Depois, o aparelho começará a fazer rotações de seis horas e as suas duas grandes lentes vão canalizar a luz vinda do Universo para uma câmara digital potentíssima. Como o satélite vai orbitar o Sol, irá obter medições de cada estrela a partir de dois extremos nesta órbita, o que permite determinar a distância de cada estrela que observa através de medições trigonométricas. Ao fim dos cinco anos, cada uma das mil milhões de estrelas terá cerca de 70 observações, o que permite fazer um bom mapa tridimensional das estrelas da nossa galáxia.
Um dos objectivos do Gaia é a melhoria dos sistemas de posicionamento geográfico como GPS. “O Gaia vai fornecer o sistema de referências da próxima geração”, diz o astrónomo.
A nível científico, os instrumentos do aparelho vão ainda determinar o brilho das estrelas e a composição de parte destes astros. André Moitinho de Almeida está interessado em estudar as leis que determinam o nascimento das estrelas na nossa galáxia. Mas, ao determinar o movimento das estrelas, o satélite poderá dar informação sobre as pequenas galáxias-satélite que a Via Láctea terá canibalizado no passado.