Que portas estamos a abrir para o mar?

Palestra de Delaney no Porto: este oceanógrafo norte-americano quer mapear o fundo do oceano utilizando cabos de fibra óptica.

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John Delaney, na palestra no Porto LSTS

Com a desenvoltura característica de quem não está a dar as suas primeiras palestras, John Delaney abriu o ciclo de palestras Oceanos, Oceans Distinguished Lectures, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Apesar do título (Next Generation Operations in the Global Ocean: Comprehensive, Volume-Integrated, Subsea Sensor-Robotic Presence), Delaney foi para lá daquilo que à partida parecia uma palestra exclusiva para académicos da área. Recorrendo a uma série de metáforas e comparações, citando autores como Proust, tornou simples aquilo que inicialmente parecia complicado.

Os seres humanos são cada vez mais  responsáveis por alterações nos ecossistemas e John Delaney percebeu que, para combater esses efeitos, podia ajudar através da compreensão dos oceanos. Por isso, nasceu a Ocean Observatories Initiative (ou Iniciativa para Observatórios no Oceano), um projecto que quer tornar os oceanos num meio de comunicação. As primeiras fases do projecto já estão em marcha e entre 2011 e 2014, John Delaney e a sua equipa instalaram no oceano quase 1000 quilómetros de cabos de fibra óptica ao longo da costa norte-americana dos estados de Washington e do Oregon.

Para Delaney este tipo de tecnologia no fundo do oceano "pode acelerar drasticamente a inovação científica". Através de dispositivos a que chama “nós”, que interligam os cabos e são instalados por robôs debaixo de água, câmaras de alta definição permitirão tornar o oceano num laboratório aberto, sendo possível interagir e recolher amostras, conhecer o que o ser humano ainda não conhecia. A transmissão de imagem será Internet, tornando até possível, daqui a algum tempo, aceder ao que se passa debaixo do oceano num dispositivo móvel em tempo real. Nessa altura de novas portas abertas para o mar, haverá uma "telepresença interactiva, ou seja, estar-se-á presente em todo o oceano e poder-se-á interagir à velocidade da luz em alto mar com robôs e sensores", disse Delaney.

Para o oceanógrafo, a investigação sobre oceano pode ter aplicações, mas há um outro aspecto da ciência, que é o seu lado “fixe”, como ter à disposição o fundo de oceano num telemóvel. Em profundidade, no fundo do mar, tem-se descoberto um grande reservatório de actividade microbial. É uma descoberta relativamente recente, mas é estimado que o total de biomassa desses microorganismos que vivem nos poros e fracturas do fundo do mar rivalizem com o total da biomassa a viver à superfície. A possibilidade de estudar este mundo desconhecido pode trazer grandes inovações, por exemplo para o desenvolvimento de novos medicamentos.

Mais do que tudo isto, o estudo e a descoberta desta quantidade de microorganismos no oceano podem ajudar a descobrir vida extraterrestre. Um exemplo disso é uma das luas de Júpiter, Europa. Pensa-se que, por baixo da sua superfície gelada, exista um oceano de água em estado líquido. E, para John Delaney, isto significa pode haver ou pode ter havido vida nesta lua.

De momento, o seu projecto está em pleno funcionamento. A falta de investimento não o deixa fazer mais por agora, mas aquilo que já está feito tem corrido bem, ainda que numa pequena porção do oceano. O objectivo é tornar a oceanografia numa ciência de previsões, em que, utilizando todos os dados que se consegue obter, se calcule o que vai acontecer a seguir. A tecnologia já existe, faltam os dados.

E porque Portugal está inevitavelmente ligado ao Atlântico e é um país com uma história para sempre ligada ao mar, Delaney não termina a palestra sem elogiar a vontade, que vem desde os Descobrimentos, que os portugueses têm de desvendar os segredos do oceano. Termina a sua palestra sobre ciência com poesia e em português, recitando um poema de Fernando Pessoa, Mar Português.

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