O pior do Crato
Este não é o Nuno Crato que eu conheci, mas sim um membro de um governo sem qualquer sentido da res publica.
Também eu simpatizei com Nuno Crato e com a sua ideia de “implosão” do Ministério da Educação. Não tendo ele implodido o ministério, foi o ministério que o implodiu a ele. É hoje um ministro desacreditado de um governo desacreditado. Com a obsessão do crédito da troika perdeu todo o crédito que nele tínhamos depositado. De facto, entre os inúmeros professores e pais que o levaram aos ombros a ministro, a desilusão é enorme. E também entre os eleitores, em geral: o desatino em crescendo das suas políticas valeu-lhe a transição do topo para o fundo da lista dos ministros mais estimados.
Mas agora há pior. Na semana passada, Crato, não contente com os cortes drásticos que efectuou nas bolsas de ciência, obrigando numerosos jovens a emigrar, resolveu liquidar de vez a ciência em Portugal. De um universo de 322 unidades de investigação, condenou à morte a curto prazo 154, cerca de metade. Destas, 83 tiveram Bom, num processo de avaliação que, na parte em que não é obscuro, está empestado de erros e omissões, e têm a morte anunciada. Terão um financiamento ridículo e ficarão impossibilitadas de obter recursos humanos ou equipamentos. Bom, numa escala que contempla ainda Muito Bom, Excelente e Excepcional, é péssimo. E 71 tiveram Razoável ou Insuficiente, o que significa a execução imediata. Foi tudo a eito: Matemática, Física, Engenharia, Sociologia, Filosofia, etc. As outras unidades (168) aguardam o seu destino: estão num limbo e poderão também ser condenadas. O número de investigadores já sentenciados à morte é de 5187 num total de 15.444. Entre eles estão alguns dos melhores cientistas portugueses, nomeadamente Nuno Peres, do Centro de Física do Porto e Minho, e Mário Figueiredo, do Instituto de Telecomunicações, que acabam de ser distinguidos internacionalmente como as mentes mais brilhantes.
O ministro diz – quando diz alguma coisa, porque ficou embatucado quando uma jornalista lhe solicitou uma explicação – que não é nada com ele. Lava as mãos como Pilatos. E remete para os seus subalternos, em particular para a Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT. Esta já foi em tempos uma instituição em que os cientistas confiavam. Mas agora resolveu destruir um sistema de avaliação internacional, exigente e cuidadoso, que estava montado e tinha provas dadas, e experimentar outro, que se está a revelar frágil e tosco. Contratou, não se sabe como nem a que preço, a European Science Foundation – ESF, que está a desfazer a sua actividade em favor de uma nova organização, a Science Europe, e pediu-lhe uma avaliação à distância (isto é, sem ver nem falar com ninguém), com base apenas em papéis, entre os quais um estudo da produção científica. Os resultados são calamitosos para a reputação da ESF e, por salpico, para a FCT e para o ministro. Por um lado, há muitos erros grosseiros, que só por si deviam ser suficientes para denunciar o contrato. Mas, por outro, mesmo desculpando o indesculpável, em muitas disciplinas não bate a bota com a perdigota: por muito criticável que seja o método da folha Excel, esperar-se-ia alguma correlação entre a produtividade científica e a nota dada. Não há, porém, quase nenhuma. O ministro podia ter poupado o erário público se, em vez de contratar avaliadores da ESF, tivesse comprado uma roleta. Fui ver quem eram os avaliadores da minha área. Verifiquei com espanto que esta nem sequer existia. A Física estava amalgamada com a Química e com a Matemática, sendo todas elas avaliadas por um painel constituído por um engenheiro, três físicos, quatro químicos e três matemáticos (sem nenhuma mulher, isto é, sem ninguém pragmático). Este painel é muito pior do que os três, um por disciplina, da última avaliação, que envolveu 15 matemáticos, seis físicos e sete químicos. Um dos ramos maiores da Física – a Física da Matéria Condensada – foi agora praticamente encerrado em Portugal por um painel que só tinha um físico desse ramo. A matéria passou de condensada a condenada! Dantes os avaliadores eram conhecidos e respeitados, hoje são desconhecidos. O resultado só podia ser o desastre que está à vista.
Este não é o Nuno Crato que eu conheci, amigo da educação e da ciência, mas sim um membro de um governo sem qualquer sentido da res publica. Passos Coelho, o ex-gestor da Tecnoforma que acha os cientistas improdutivos, quer tirar da ciência para dar às empresas. E, nesse processo, não se importa de reforçar a emigração, enviando para fora o que resta da inteligência e da esperança nacionais.
Professor universitário (tcarlos@uc.pt)