O desenvolvimento científico e educacional português nos últimos quarenta anos

Ao contrário da massificação, um sistema de ensino diversificado poderá ser potenciador do aparecimento de elites.

E sei que, atestando a evolução do desenvolvimento científico em Portugal após o 25 de Abril, ele disse nessa sessão: “Não há outro país que tenha multiplicado por 17 os investigadores, por 32 a produção científica e por 15 a percentagem do produto interno bruto aplicado em investigação e desenvolvimento, num tão curto período de tempo. Não conheço país nenhum que tenha conseguido o feito de Portugal”.

José Mariano Gago disse isto, e eu concordo, também o digo. Há 40 anos, não tínhamos ciência e tecnologia (como não tínhamos muitas outras coisas…). Não tínhamos o conhecimento necessário para ocuparmos o lugar de uma sociedade moderna, nem tínhamos quem o desenvolvesse. Agora temos ciência e tecnologia, e uma comunidade científica a produzi-las! Em consequência, o número de patentes e de registo de marcas portuguesas no Instituto Europeu de Patentes teve, em 2013, um dos crescimentos mais elevados da Europa, que elevou Portugal do 40.º lugar, que ocupava em 2012, para o 36.º lugar no ranking mundial composto por 50 países.

Mas o que não mudou significativamente foi transformar esse conhecimento em valor, em produtos, em soluções, em empregos, em riqueza. Portugal continua a ser um país de média/baixa tecnologia, e quando se chega à economia pura e dura é o PIB que se recusa a aumentar, é o desemprego que se recusa a ir embora, são as importações, as dependências, etc.

A influência da comunidade científica e do conhecimento por ela desenvolvido no desenvolvimento do país não alterou essa situação. Há, portanto, claramente uma ineficiência no processo de valorização do conhecimento.

“Knowledge is just the beginning” (perdoem-me escrevê-lo em inglês) e o esforço na aquisição do saber deve ser sempre considerado como um investimento, não como uma despesa, e, portanto, passível de nos interrogarmos sobre o seu retorno. Ora, o retorno do esforço feito na criação e sustentação da comunidade científica portuguesa, avaliado pela sua contribuição para o desenvolvimento do país, é muito baixo.

Como escrevi neste jornal em 19 de Fevereiro de 2014, no  artigo “Universidade, Ciência e Sociedade”, é necessário mudar o modelo relacional da comunidade científica com as empresas.

A comunidade científica deve ser estimulada, desde logo no estatuto das carreiras docentes universitária e politécnica, e nos critérios de avaliação e de financiamentos, a desenvolver uma cultura que a leve a ser protagonista ativo do processo de desenvolvimento da sociedade portuguesa e da criação da riqueza nacional.

A comunidade científica deve construir espaços comuns de trabalho com as empresas, e não apenas projetos, acordos ou contratos, e assumir-se, juntamente com elas, como um explorador do conhecimento que vai desenvolvendo.

Enquanto isto não acontecer, a criação e sustentação da comunidade científica portuguesa configura mais uma despesa do que um investimento.

Na mesma sessão de 23 de Abril, citada anteriormente, Mariano Gago disse também que “a escola atual é muito mais criadora de elites do que alguma vez foi”.

É evidente a democratização do acesso ao ensino em Portugal, particularmente ao ensino superior, após o 25 de Abril. Hoje, quase 100% dos jovens na idade própria frequentam, ou podem frequentar, o ensino superior, embora se esteja a verificar um decréscimo no número de jovens que, após o secundário, procuram o ensino superior… em parte, talvez, porque não se reveem nele…

Mas a resposta à democratização do acesso ao ensino superior, a todos os títulos positivo, foi a massificação do ensino, e o ensino superior não conseguiu, por várias razões, algumas que lhe são exógenas, adaptar percursos e metodologias à realidade de um elevado número de alunos de níveis e  características de interesses muito diferenciados, muitos deles desinteressados por aquilo que lhes ensinam porque, legitimamente, apenas aspiram a  ser um profissional com algum prestígio social e razoavelmente pago.

Aceitando a ideia de elites sem discutir neste momento o significado e conteúdo do termo, e aceitando, também sem a discutir neste momento, a necessidade da sua existência para o progresso social, não me parece que as elites possam ser “criadas”. O que se pode é potenciar o seu aparecimento pela criação de um ambiente educacional adequado.

Não me parece que um ensino massificado, em que os percursos, matérias ensinadas e metodologias de ensino não têm em conta a realidade, atrás citada, de um elevado número de alunos com níveis e características de interesses muito diversificados, constitua um ambiente educacional potenciador do aparecimento de elites.

Como escrevi neste jornal em 2 de Abril de 2014, no artigo “Universidade, Ensino e Sociedade”, a resposta adequada à democratização do ensino, ao contrário da massificação, é a diversificação, e a seleção a ela inevitavelmente associada. A diversificação deve atender às características próprias dos alunos, mantendo elevados níveis de exigência nas opções oferecidas.

Qualquer processo de diversificação deve garantir percursos e ambientes para uma formação mais descodificada e preocupada com a utilidade do que se ensina, mas deve, também, garantir percursos e ambientes adequados aos alunos mais motivados para uma formação mais fundamentada e criativa.

A democratização do acesso ao ensino superior deve garantir a igualdade de oportunidades e de possibilidades de acesso. Mas deve respeitar e acolher as diferenças, sem o que uns e outros serão prejudicados na concretização das suas ambições e na sua realização pessoal.

Ao contrário da massificação, um sistema de ensino diversificado poderá, então, ser potenciador do aparecimento de elites.

Professor catedrático, coordenador do Comité de Tecnologia do Grupo EFACEC

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