O Big Bang exige um criador, diz o Papa Francisco
Não podemos imaginar Deus como um feiticeiro, disse o Sumo Pontífice, marcando um ponto para a ciência. Mas a Igreja Católica não abdica da visão de um mundo “que não foi produto do caos”.
“O Big Bang, que é designado como a origem do mundo, não contradiz o acto divino da criação. Em vez disso, exige-o”, diz o Papa. “A evolução da natureza não contrasta com a ideia de criação, pois a evolução pressupõe a criação de seres que evoluem.”
É desta forma que o Papa Francisco procura reconciliar as visões da ciência e da religião, desencorajando também uma leitura fundamentalista da Bíblia – a crença de que tudo o que está escrito no Velho e no Novo Testamento corresponde totalmente à verdade, palavra por palavra, sem lugar para a alegoria ou para o mito.
Esta tomada de posição é importante porque há muitas pessoas, organizações e igrejas que defendem a total veracidade do texto da Bíblia, e que não hesitam mesmo em opô-la à ciência – estes são os criacionistas, que em alguns países, como os Estados Unidos, são uma força considerável. Por vezes, conseguem que os textos bíblicos sejam ensinados nos bancos da escola, como se a criação do mundo em sete dias fosse uma alternativa aos livros de ciências.
O que na verdade o Papa Francisco fez foi sublinhar a posição da Igreja Católica, já expressa há mais de seis décadas pelo Papa Pio XII, na encíclica Humani Generis: a investigação científica sobre as origens materiais do organismo humano é legítima, desde que os teólogos mantenham a primazia sobre a alma dos homens, uma criação de Deus.
Esta posição foi reafirmada pelo Papa João II em 1996, numa mensagem à Academia de Ciências Pontifícia, notando que a teoria da evolução através da selecção natural postulada por Charles Darwin “é mais do que uma mera teoria”. Mas sublinhava que algures na evolução dos nossos antepassados houve “um salto ontológico’ para o humano, que não se pode explicar em termos puramente científicos”.
Francisco concorda. Deus “deu vida também ao homem, mas neste caso aconteceu algo de novo" – tal como postulou João Paulo II. “Com o homem, houve uma mudança e algo novo”, a liberdade.
Mas há uma outra forma de fundamentalismo religioso que se coloca como uma explicação do mundo alternativa à ciência – a chamada concepção inteligente. Esta deduz a partir da observação da natureza a existência de uma potência criadora que guia a evolução. Recusa-se a aceitar o acaso e a adaptação dos seres vivos às condições do meio como constrangimentos suficientes para forçar a evolução. Exigem que haja alguém ao volante.
Deus “criou os seres vivos e permitiu que se desenvolvessem de acordo com as leis internas que deu a cada um, de forma que se desenvolvessem e atingissem a sua plenitude”, afirma o Papa Francisco. Esta visão aproxima-o mais da concepção inteligente – e das discussões sobre a evolução e a selecção natural que marcaram com polémica o pontificado de Bento XVI.
Em 2005, um artigo no New York Times do arcebispo de Viena, Cristoph Schönborn, próximo do Papa Ratzinger, gerou grande discussão. Com o título “À descoberta do desígnio na natureza”, sublinhava que a Igreja Católica não tinha abraçado a evolução “no sentido neo-darwinista: um processo não guiado, não planeado, de variações ao acaso e selecção natural”.
O facto de o cardeal ser amigo de Bento XVI levou a que o artigo fosse lido como uma mudança de posição do Vaticano, apoiando a concepção inteligente. Mas o que o Papa Francisco fez agora não anda longe do que disse Schönborn: “O princípio do mundo não foi produto do caos, deriva directamente de um Princípio Supremo que cria por amor.”