Naia, o fóssil de uma ninfa da água, veio dizer como foi a colonização das Américas
Crânio de uma rapariga com mais de 12.000 anos sugere que a colonização original das Américas veio de uma única população asiática. Descoberto na Península do Iucatão, no México, a análise deste fóssil é divulgada agora.
Permanecem muitos mistérios sobre como ocorreu a colonização das Américas, devido aos escassos vestígios arqueológicos. O conjunto de informação reunida até agora pela arqueologia, pela genética humana e pela paleontologia apontava para uma determinada hipótese sobre a entrada dos humanos naquele continente, mas com contradições: uma população vinda da Ásia estabeleceu-se há cerca de 26.000 anos na região agora submersa do estreito de Bering, entre a ponta Nordeste da Ásia e o Alasca, na América do Norte.
Naquela altura, a Terra vivia a última era glaciar. Devido ao frio, grandes glaciares estendiam-se pelos continentes e, por isso, o nível médio do mar era mais baixo. O estreito de Bering não existia, havia antes a Beríngia, uma massa de terra seca com uma área equivalente a cerca de duas vezes a Península Ibérica. Pensa-se que esta população ficou a viver aí até há cerca de 17.000 anos.
Entretanto, a Terra foi aquecendo, os gelos derreteram-se, o nível médio do mar foi subindo e aquela região acabou por ficar submersa. Na América, os vestígios arqueológicos de actividade humana mais antiga encontram-se no Alasca e têm 14.400 anos. A partir daí, há registos a sul, mais recentes, tanto de vestígios de actividade humana como de ossadas humanas.
Hoje, os estudos genéticos em várias populações humanas mostram um parentesco entre os nativos das Américas e os asiáticos, e que passa por esta população da Beríngia. Mas encontraram-se certos marcadores do ADN das mitocôndrias (fora do núcleo das células e transmitido só pela mãe) que só existem nos nativos americanos. Não existem nos asiáticos. Estas diferenças genéticas só puderam surgir se esta população da Beríngia tivesse chegado a esta região há pelo menos 25.000 anos, mantendo-se isolada desde aí.
Esta hipótese do compasso de espera de cerca de dez mil anos na Beríngia é apoiada por registos fósseis de animais e de plantas, que indicam que aquela região era habitável, mesmo durante um período tão frio da história recente do nosso planeta.
O grande mistério vem dos poucos fósseis humanos com mais de 10.000 anos na América do Norte. Normalmente incompletos, os crânios destes fósseis mostram pessoas cuja fisionomia de cara era alongada, estreita e projectada. Tinham uma fisionomia mais parecida com a de africanos, australianos nativos e polinésios actuais do que com os nativos americanos e os povos asiáticos, cuja cara é mais redonda.
Esta contradição conduziu à hipótese de incursões na América provenientes de, pelo menos, duas populações diferentes: uma vinda da Beríngia há menos de 17.000 anos, que originou os nativos actuais; e outra mais antiga, de proveniência desconhecida, originando os paleoamericanos, que não teriam deixado sobreviventes. Outra hipótese, que Naia parece agora confirmar, diz que os paleoamericanos são os antepassados dos nativos americanos actuais.
Naia foi descoberta em 2007 pelo mergulhador Alberto Nava, da organização Exploradores Submarinos da Área da Baía de São Francisco, em Berkeley, na Califórnia, e por mais dois colegas que exploravam o sistema de grutas de Sac Actun. O fóssil estava no fundo de uma gruta submersa de 30 metros de altura, com o formato de um sino, e a que os mergulhadores chamaram Buraco Negro.
Além do crânio, foram encontrados costelas, vertebras e ossos pélvicos. Mais abaixo na gruta, também estavam dispostos ossos de 26 grandes mamíferos, como a preguiça-gigante e espécies aparentadas do elefante.
A gruta foi inundada há menos de 8000 anos. E os ossos agora analisados terão caído antes, numa altura em que o sistema de grutas não estava inundado e tinha apenas poças temporárias. As fracturas nos ossos pélvicos de Naia, que tinha 15 ou 16 anos quando morreu, levaram os cientistas a especular que ela estaria à procura de água e teria caído naquele enorme buraco.
Para datar o fóssil, avaliar a sua fisionomia e fazer uma análise genética ao ADN mitocondrial, reuniu-se uma equipa de 16 cientistas de várias instituições, liderada por James Chatters, paleoantropólogo e fundador da empresa de análises forenses Applied Paleoscience.
Usando um dente, uma costela e os cristais de calcite acumulados nestes restos, a equipa determinou que Naia tem entre 12.000 a 13.000 anos e conseguiu analisar o seu ADN.
Apesar de o crânio desta jovem ter feições estreitas como os outros fósseis dos paleoamericanos, e não uma cara redonda como os nativos americanos actuais, o ADN mitocondrial revelou um claro parentesco entre estes dois grupos humanos. “Determinámos que Naia pertence (…) a uma linhagem genética existente nos nativos das Américas”, disse James Chatters, numa conferência de imprensa da Science, acrescentando que essa linhagem surgiu na Beríngia.
“Naia sugere que os paleoamericanos não representam uma migração mais antiga vinda de uma parte do mundo diferente da dos nativos americanos”, interpreta James Chatters. “O que terá acontecido é que os paleoamericanos e os americanos nativos são descendentes da mesma origem na Beríngia. As diferenças [na fisionomia] que surgiram entre eles ocorreram devido à evolução que aconteceu depois.”