Maria Arménia Carrondo é a nova presidente da FCT
Investigadora sucede a Miguel Seabra.
Maria Arménia Carrondo, de 67 anos, estava agora a coordenar o grupo de Cristalografia Macromolecular do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), em Oeiras, pertencente à Universidade Nova de Lisboa (UNL). Também era até agora assessora do conselho directivo da FCT, que era presidido por Miguel Seabra até à sua demissão.
Licenciada em engenharia química na Universidade do Porto, em 1971, Maria Arménia Carrondo fez o doutoramento, em cristalografia química, no Imperial College de Londres, em 1978. Logo após o doutoramento, continuaria a sua carreira académica no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, onde se manteve durante as décadas de 1980 e 1990. Esteve, desde o início, associada à criação do ITQB, em 1989, que depois, nos primeiros anos da década de 1990, foi integrado na UNL.
É no ITQB que se torna professora catedrática, em 1998. E é também aí que durante nove anos, de 1996 a 2005, é vice-directora. Entre 2007 e 2013, é vice-reitora da UNL, na equipa reitoral de António Rendas, que ainda é o reitor daquela universidade.
Como investigadora, Maria Arménia Carrondo dedica-se à cristalografia de macromoléculas – ou, mais exactamente, à cristalografia de proteínas, utilizando feixes intensos de raios X para desvendar a sua estrutura e, assim, a sua função. Criou o maior grupo de cristalografia de macromoléculas do país. É co-autora de 154 artigos científicos publicados em revistas com revisão por pares.
Durante vários anos, entre 1998 a 2002, foi a representante de Portugal no conselho do Laboratório Europeu de Radiações Sincrotrão – ou European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), em Grenoble, França –, uma máquina de emissão de raios X muito intensos que funciona como se fosse um microscópio gigantesco. Foi, aliás, representante do ministro da Ciência, então Mariano Gago, nas negociações que conduziram à adesão de Portugal ao ESRF, em 1998.
Na exposição Mulheres na Ciência, desde 8 de Março último no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, é uma das 20 investigadoras portuguesas retratadas pela fotógrafa Luísa Ferreira. No topo do seu retrato aparece a identificação “eu sou cristalógrafa”, e por baixo uma citação sua: “A cristalografia permite-nos olhar para o interior das moléculas e conhecer a sua estrutura tridimensional, conhecer os átomos que as constituem, ver como estão interligados e, a partir daí, compreender a função das proteínas e elucidar mecanismos fundamentais da biologia e da medicina.”
Alguns dossiers polémicos
Agora aos comandos da FCT, Maria Arménia Carrondo herda de Miguel Seabra alguns dossiers quentes, que, como assessora do último conselho directivo da FCT, já deverá conhecer de perto. A restante equipa directiva, composta pelo vice-presidente Pedro Cabrita Carneiro e os vogais Paulo Pereira e João Nuno Ferreira, mantém-se em funções, refere, em comunicado desta quinta-feira, o Ministério da Educação e Ciência.
Uma das pastas polémicas é a da avaliação aos centros de investigação do país, que tem sido marcada pela controvérsia desde que os primeiros resultados foram conhecidos, no final de Junho. Já em fase final e destinada à atribuição de financiamento anual aos centros até 2020, esta avaliação tem sido criticada pela comunidade científica, que lhe aponta várias falhas, irregularidades e mudanças de regras durante o processo, questionando a sua qualidade e credibilidade. Por exemplo, havia a indicação por parte da FCT, antes do início da avaliação, de que metade das unidades de investigação teria uma má classificação – o que veio a acontecer –, traduzindo-se isso na atribuição de pouco ou nenhum dinheiro. Pela forma como decorreu este processo, muitos cientistas também vieram a público dizer que ele levaria à morte de cerca de 50% dos centros de investigação do país.
A política de cortes nas bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento é outro dos dossiers quentes que a nova presidente da FCT receberá. A surpresa desses cortes deu-se logo no início de 2014, quando foi divulgado o número de bolsas desse ano. Feitas as contas, em 2014 houve uma redução de 31% nas bolsas de doutoramento face ao concurso anterior (passando de 1198 para 830). E de 35% nas bolsas de pós-doutoramento (de 677 para 438).
Durante os três anos em que esteve à frente da FCT, Miguel Seabra concentrou em si grande parte dos protestos às políticas científicas do Governo. Foi à porta da sede da FCT, em Lisboa, que os bolseiros e outros cientistas desembocaram, no final de Janeiro de 2014, na sequência do anúncio do corte no número de bolsas. Estava dado o mote para um ano de grande contestação.
A demissão de Miguel Seabra foi anunciada, em comunicado, pelo Ministério da Educação e Ciência por “razões pessoais”, sem que fossem então dadas mais explicações. Este anúncio surgiu na véspera da divulgação do nome de Miguel Seabra como o principal vencedor do Grande Prémio Bial de Medicina.
Como cientista, Miguel Seabra tem-se dedicado à investigação médica. Até ao início de 2012, quando assumiu a presidência da FCT, dirigia o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNL, universidade onde se licenciou em medicina em 1986 e é agora professor catedrático. Nos últimos 20 anos, tem estudado a coroideremia, uma doença genética rara que causa a degeneração da retina, e foi essa investigação que o Grande Prémio Bial de Medicina distinguiu. Na altura da entrega do galardão, o presidente da Fundação Bial, Luís Portela, justificou a ausência de Miguel Seabra na cerimónia por “motivos de saúde”.
Ainda que Miguel Seabra tenha tomado posse em Janeiro de 2012, para um mandato de três anos, a integração da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) na FCT levou à tomada de posse de um novo conselho directivo da FCT, com mais um membro, em Dezembro de 2013, para o triénio 2013-2015. Assim, só em Dezembro deste ano, já depois das eleições legislativas, em Outubro, é que se completariam os três anos de mandato de Miguel Seabra e chegaria a altura de nomear um novo conselho directivo. A demissão de Miguel Seabra permite agora ao actual Governo nomear para os próximos três anos um(a) novo(a) presidente da fundação que gere grande parte do dinheiro público da ciência.