Genoma de árvore transporta-nos até às primeiras plantas com flor
Estudado o genoma de planta que só vive na Nova Caledónia. É a única de uma linhagem que surgiu no início da evolução das plantas com flor.
Um projecto internacional sequenciou o genoma da Amborella trichopoda, uma pequena árvore, com dois a três metros de altura, que apenas existe na ilha principal da Nova Caledónia, a Grande Terra, e é a única espécie descendente de uma linhagem muito antiga das plantas com flor. Há cerca de 200 milhões de anos deu-se um fenómeno de duplicação de genoma numa planta superior, que foi depois essencial para o aparecimento das plantas com flor. Esse fenómeno foi comprovado pela análise do genoma da Amborella trichopoda, onde a duplicação ainda é visível no seu genoma, conclui um dos três artigos publicados na revista Science, que trazem os resultados deste projecto internacional.
Existem apenas 18 populações da Amborella trichopoda, todas nas regiões montanhosas da maior ilha da Nova Caledónia, um arquipélago francês que fica na região mais a sul da Melanésia, no oceano Pacífico e a leste da Austrália. Pensa-se que o antepassado desta planta se tenha separado do restante ramo das plantas com flor há 160 milhões de anos. As características genéticas que partilha com o resto das angiospérmicas surgiram numa altura inicial da evolução das plantas com flor.
“Da mesma forma que o genoma do ornitorrinco – um sobrevivente de uma linhagem antiga [de mamíferos] – pode ajudar no estudo da evolução dos mamíferos, o genoma sequenciado da Amborella pode ajudar a descobrir a evolução de todas as flores”, explica Victor Albert, da Universidade de Búfalo, estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, que pertence ao grupo que estudou a citogenética desta planta, um dos sete grupos do Projecto do Genoma da Amborella.
O fóssil mais velho de uma planta com flor encontrado tem entre 135 e 130 milhões de anos, mas pensa-se que as angiospérmicas tenham aparecido há mais de 160 milhões de anos. Nessa altura, a Terra estava no final do Jurássico, o período do meio da era dos dinossauros, onde as florestas de coníferas (o pinheiro faz parte deste grupo de plantas) eram dominantes. Mas no final Cretácico, o último período onde os dinossauros caminharam na Terra, as plantas com flores já eram dominantes.
Depois dos fetos com o seu sistema vascular e folhas, depois das gimnospérmicas com os seus estróbilos, como as pinhas, e sementes, como os pinhões, a Terra foi dominada por plantas que mostram o seu sistema reprodutor nas belas flores, que envelhecem e caem para dar lugar a frutos, muitas vezes vistosos, que envolvem as sementes. Hoje, a alimentação do homem seria completamente diferente se este ramo da evolução não existisse, já que as espécies agrícolas e hortícolas são, na grande generalidade, angiospérmicas.
A duplicação do genoma
O resto da história dos mais de 160 milhões de anos das plantas com flor está carregado de duplicações de genoma. Mas a Amborella trichopoda, como é uma linhagem separada e muito antiga, não apresenta esses fenómenos. Por isso, os cientistas observaram no seu genoma uma outra duplicação, que já se pensava existir, e que aconteceu antes do aparecimento das plantas com flor, há cerca de 200 milhões de anos.
“A duplicação do genoma pode, por isso, oferecer uma explicação sobre o ‘abominável mistério’ de Darwin – a proliferação aparentemente abrupta de novas espécies de plantas com flor nos registos fósseis durante o período Cretácico”, explica por sua vez Claude dePamphilis, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Através do genoma desta planta, estima-se que o antepassado de todas as plantas com flor tivesse ao todo 14.000 genes que codificam para proteínas. Destes, 1179 genes eram novos e surgiram graças à duplicação genómica. Alguns destes genes são importantes para a floração, para a produção de madeira e para a resposta ao stress, como a predação feita pelos herbívoros. Muitos outros genes já existiam, mas ganharam novas funções nestas plantas. “Como único membro existente de uma linhagem antiga, a Amborella é uma janela única para os primeiros fenómenos da evolução das angiospérmicas”, lê-se na conclusão do artigo.