Gable, o cão que conhece mais de mil palavras
Para um cão, qual é a diferença entre pedir para ir buscar uma bola ou um cubo? A resposta é: quase nenhuma, desde que ambos tenham o mesmo tamanho e a mesma textura.
Em 2010, Rico, outro cão da mesma raça, também foi notícia por ser inteligente. Tinha nove anos e mostrou, num jogo de procura de objectos, que conseguia identificar 200 palavras. Nessa altura, os cientistas acreditaram que o mecanismo de aprendizagem das palavras era semelhante ao utilizado pelas crianças para aprenderem – ou seja, reconheciam os objectos pela sua forma. Agora, o estudo feito com o Gable contrariou esses resultados. Humanos e cães, diz a equipa de Emile van der Zee, da Universidade de Lincoln, no Reino Unido, aprendem de maneira diferente.
Gable conhece mais de mil objectos pelo nome, mais ou menos o mesmo número que uma criança pequena e, tal como elas, tem a capacidade de associar palavras a categorias de objectos. Esta estranha facilidade do cão levou o grupo de Emile van der Zee a testar a suas capacidades.
Para isso, os cientistas usaram um jogo já conhecido pelo cão, em que ele tinha de identificar um objecto através do nome e depositá-lo num contentor. O jogo foi dividido em partes e, em cada uma delas, ele tinha de identificar, entre dez objectos, aquele que era o certo. Para superar as provas, o cão teria de distinguir os objectos pela forma, textura e pelo tamanho. O objectivo do estudo era verificar se os cães e os homens partilham a mesma capacidade linguística e, com isso, perceber o processo evolutivo da linguagem humana e as suas diferenças em relação a outras espécies.
Os resultados do estudo e do jogo, publicados na revista PLOS ONE, mostram que Gable identifica perfeitamente os objectos que já conhece, mas em relação a objectos novos o caso é um pouco diferente. Quando teve de procurar um objecto desconhecido, na dúvida, escolheu primeiro um do mesmo tamanho, depois, noutro exercício, apanhou um com a mesma textura. Aparentemente, para ele, a forma do objecto pouco importa e, por isso, não a usa para identificar o objecto certo.
As crianças, ao contrário dos cães, primeiro fazem a identificação com base na forma e só depois no tamanho, na cor ou no material. Por exemplo, uma criança, antes de qualquer outra classificação, inclui as bolas de pingue-pongue, as bolas de ténis e as bolas de futebol numa única categoria: bolas. Só depois aprendem a fazer a distinção pelo tamanho e, mais tarde, pela textura.
As diferenças na forma como os cães e os humanos identificam os objectos levaram os cientistas a concluir que a maneira como as duas espécies armazenam no cérebro sons com significado é bastante diferente, tanto na maneira como esse mapa é construído como utilizado.
“O sistema visual humano identifica a forma dos objectos para fazer o seu reconhecimento. Nas nossas experiências, impedimos que o Gable pudesse usar o faro [para reconhecer os objectos]. Isto mostra que o seu sistema visual e o sistema sensorial da boca não estão centrados na forma dos objectos, mas sim no tamanho e na textura”, explica Emile van der Zee, citada num comunicado da sua universidade.
Mais estudos poderão ajudar a deslindar o processo de reconhecimento das palavras em diferentes espécies. “Só comparando outras espécies com os humanos poderemos ficar a conhecer mais sobre as origens neurológicas e genéticas do reconhecimento das palavras”, conclui a investigadora. Para já, informação de que os cães não reconhecem inicialmente as formas pode ser útil para desenvolver novos programas de treino de cães ou para melhorar os já existentes.