Publicados mais de 100 artigos científicos que foram inventados por um programa de computador
Editora já avisou que vai apagar 16 artigos produzidos por programa desenvolvido em 2005 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Além disso, mais de 100 falsos artigos foram também publicados pela editora do Institute of Electrical and Electronic Engineers.
A famosa editora Springer, detentora de várias revistas científicas, publicou, sem saber, 16 destes falsos artigos entre 2008 e 2013. O Institute of Electrical and Electronic Engineers, que edita 100 revistas diferentes, tem cerca de 100 artigos falsos criados a partir do programa.
“Estamos no processo de apagar estes artigos o mais rapidamente possível”, anunciou a Springer, num comunicado na semana passada. “Isto quer dizer que estes artigos vão ser removidos, e não retractados, já que eles são todos disparates sem sentido.”
Os artigos faziam parte de actas de conferências científicas, onde fica reunido o material apresentado nestas conferências. Os investigadores aproveitam as conferências de especialidade para apresentarem os seus resultados mais recentes, quer em palestras, quer em cartazes expostos no local. Este material pode, posteriormente, ser reunido numa cata que é publicada, ficando assim disponível para a comunidade em geral.
Os falsos artigos detectados agora em publicações destas editoras estiveram antes em conferências sobre informática e engenharia, tendo a maioria destas reuniões ocorrido na China. Os nomes dos autores destes artigos falsos são, na maioria, chineses.
“Isto quer dizer que nestas conferências, o processo de revisão pelos pares, foi muito mal feito. Ou que os avaliadores não são competentes e se deixam impressionar pelo jargão [dos artigos]”, criticou Cyrill Labbé, o cientista que detectou estes falsos artigos, à agência noticiosa AFP. O investigador trabalha na Universidade de Joseph Fourier em Grenoble, França, e concebeu um programa de computador para detectar os artigos criados no SCIgen.
O SCIgen foi criado em 2005 por investigadores a trabalharem no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, sigla em inglês), nos Estados Unidos. A partir deste programa, obtém-se automaticamente um artigo com termos técnicos, gráficos e citações. Mas uma leitura atenta revela que o conteúdo do texto não passa de teorias absurdas com frases sem sentido, como se pode ver no artigo criado pela AFP a partir daquele programa: “Uma tecnologia de tempo constante e com pontos de acesso suscitou um grande interesse nos futuristas e nos físicos nestes últimos anos. Depois de anos de investigação intensa sobre as superpáginas, confirmámos a unificação apropriada das arquitecturas de 128 bits e de alguns dos controlos.”
“A SCIgen comporta-se como um autor que se está sempre a repetir. Enquanto se faz uma procura pelas frases, acabamos por detectar essas repetições”, explica Cyrill Labbé, que avisa que há programas semelhantes para criar artigos falsos nas áreas da física e da matemática.
No comunicado da Springer, a editora explica que vai usar o programa de detecção dos artigos falsos para procurar por outros possíveis artigos falsos documentos que tenham publicado. “Estamos confiantes de que, para a vasta maioria do nosso material, o nosso processo [de peer-review] funciona”, lê-se no comunicado, onde a editora explica que vai tentar encontrar o erro que tornou possível a não-identificação destas fraudes, para corrigir essa falha no processo de avaliação pelos pares.
“Haverá sempre indivíduos que vão tentar minar o processo existente [de peer-review] para provar um argumento ou para benefício pessoal. Infelizmente, a publicação científica não é imune a fraudes ou a erros”, lê-se ainda no comunicado.
No ano passado, um jornalista da Science enviou artigos falsos para revistas de acesso livre online, que muitas revistas publicaram, mostrando que a avaliação prévia pelos pares da parte daquelas revistas era nula. Já em 1996, o físico norte-americano Alan Sokal escreveu propositadamente um artigo esotérico (e absurdo) que misturava a teoria quântica com a hermenêutica. Acabou por ser publicado na revista Social Text, dedicada aos estudos culturais pós-modernos, e foi um escândalo.