Avaliadores da FCT demitem-se contra alterações nos resultados das bolsas
Painel de Avaliação de Sociologia diz que não foi informado de alterações nos resultados das candidaturas às bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento da FCT.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do painel, Beatriz Padilla, disse que apresentou nesta quarta-feira o pedido de demissão à FCT. Um outro membro do júri, João Teixeira Lopes, referiu também à Lusa que se demitiu do cargo. Ambos adiantaram que não tencionam participar na fase de recurso do concurso, na qual os candidatos excluídos têm oportunidade de contestar os resultados (divulgados há uma semana pela FCT), nem na avaliação em concursos posteriores.
O grupo de 12 investigadores da área da sociologia que constituía aquele painel tinha nesta segunda-feira acusado a fundação de falta de transparência. Numa carta dirigida ao presidente desta instituição do Ministério da Educação e Ciência, Miguel Seabra, o Painel de Avaliação de Sociologia lamenta as alterações nos resultados das candidaturas já depois da avaliação dos 12 investigadores ter sido feita. “A ordenação das candidaturas assinada a 6 de Dezembro de 2013 [pelo júri] não corresponde à ordenação dos candidatos divulgada pela FCT”, lê-se na carta, que circula pelo Facebook.
Nas listas finais, divulgadas aos candidatos a 14 de Janeiro, dos seis candidatos que obtiveram bolsas de doutoramento em Sociologia, um deles não estava entre esses seis primeiros na avaliação feita pelos avaliadores em Dezembro – diz ao PÚBLICO a coordenadora do Painel de Sociologia, Beatriz Padilla, professora associada que pertence ao Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia na Universidade do Minho, e ainda trabalha no Centro de Investigação e de Estudos de Sociologia do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Esta não foi a única alteração no ranking final das candidaturas, submetidas em 2013. “O processo de avaliação põe em causa a transparência do concurso e não respeita a avaliação do júri”, refere Beatriz Padilla. Por isso, pediram um “esclarecimento” ao presidente da FCT e “a reposição da avaliação (...) efectuada [pelo júri]", lê-se na carta assinada pelo painel, composto, entre outros, por José Luís Garcia e Marzia Grassi (ambos do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa), Manuel Lisboa (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e José Manuel Mendes (Universidade de Coimbra).
Padilla relata que os painéis de avaliação se reuniram com responsáveis da FCT a 5 e 6 de Dezembro para concluir o processo de avaliação. As alterações feitas pela FCT foram posteriores, sem que o painel tenha sido consultado. “Esta alteração tem consequências graves, porque o júri não pode ser responsabilizado por uma avaliação que não realizou”, lê-se na carta. No entanto, o painel pode voltar a ser chamado, caso haja recursos.
A FCT respondeu entretanto aos 12 investigadores, dizendo-lhes que no processo de verificação acabaram por ser detectados “inconsistências e erros grosseiros”. Estas falhas “foram corrigidas” em “cerca de 3% do número total de candidaturas”, lê-se num email enviado ao painel por Alexandre Caldas, director do Departamento de Formação e Recursos Humanos da FCT. No email, explicam-se as várias alterações feitas, como a mudança da classificação de candidatos, quando as propostas de trabalho não estavam inseridas num projecto científico já financiado.
Nestes concursos, terão sido afectados pelas alterações cerca de 170 dos 5721 candidatos (3416 a doutoramentos e 2305 a pós-doutoramentos). Apenas 298 candidatos tiveram bolsas de doutoramento e 233 de pós-doutoramento, um corte acentuado face a 2012 que a comunidade científica tem criticado.
Segundo Beatriz Padilla, avaliadores de outros painéis também receberam este email da FCT. “Isto não dá resposta às questões que colocámos. É um email quase administrativo, que desvaloriza a acção da FCT, o que é vergonhoso”, diz a investigadora, considerando haver alterações que exigiam uma avaliação científica. “Por princípio, um técnico não pode mexer numa avaliação feita pelo académico.”
A FCT negou estas críticas, quarta-feira, em comunicado de imprensa: “Em circunstância alguma a FCT interferiu com a avaliação de carácter científico ou técnico das propostas, ou reduziu a margem de livre apreciação de que os painéis legitimamente gozam no exercício das suas funções.”
Além de problemas no processo de avaliação, o painel acusa ainda na sua carta a FCT de não ter cumprido a palavra em relação ao número de bolsas a atribuir: nas reuniões de Dezembro com o júri, a FCT comprometeu-se com uma taxa de aprovação de 10% das candidaturas, em todas as áreas científicas, afirma Beatriz Padilla. Em sociologia, porém, só 6,45% das candidaturas a doutoramento e 7,89% a pós-doutoramento acabaram por ter bolsas. “No nosso caso, não se respeitaram os 10%”, diz.
Outras áreas tiveram, no entanto, taxas de aprovação superiores a 10%, como as candidaturas a doutoramento em Ciências Biológicas I (15,91%) e pós-doutoramento em Ciências e Engenharia dos Computadores (17,4%), segundo a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).