Desvendado o mistério do que faz nadar os espermatozóides

A azul, a cabeça dos espermatozóides da mosca-da-fruta fotografados ao microscópio, com as caudas verdes
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A azul, a cabeça dos espermatozóides da mosca-da-fruta fotografados ao microscópio, com as caudas verdes Zita Carvalho Santos
Um emaranhadp de feixes com 64 espermatozóides
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Um emaranhadp de feixes com 64 espermatozóides Zita Carvalho Santos

Mas um problema mecânico bastante mais simples poderia provocar um falhanço semelhante: o espermatozóide interpretado por Woody Allen poderia ter a cauda "partida" e, assim, não conseguiria nadar até ao alvo. Na vida real, esta pode ser uma causa de infertilidade com origem genética, de acordo com os resultados de uma equipa de cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, que descobriu o processo de formação das estruturas que dão mobilidade à cauda (o flagelo) dos espermatozóides da mosca-da-fruta. Os resultados foram publicados nesta segunda-feira na revista Developmental Cell.

Existem algumas células no corpo humano que se distinguem das outras por formarem estruturas que se parecem com caudas e que abanam, explica Mónica Bettencourt Dias, líder da equipa do IGC e autora do artigo. Os pulmões, por exemplo, têm células à superfície com cílios, que servem para expulsar partículas nocivas. No caso dos espermatozóides, como não estão presos a nada, este movimento permite às células sexuais masculinas moverem-se até ao óvulo e fecundá-lo.

A equipa da investigadora estudou moscas-da-fruta que tinham uma mutação no gene que comanda o fabrico da proteína BLD10. "Estas moscas eram completamente estéreis", revela a investigadora. E na origem desta esterilidade está a estrutura que dá a mobilidade à cauda do espermatozóide e permite que ele nade.

O grupo de Mónica Bettencourt Dias dedica-se a estudar o esqueleto das células - um importante "órgão" que, entre várias coisas, é responsável por separar correctamente os cromossomas durante a divisão celular, para que cada célula fique com os 23 pares no final da divisão, nem mais, nem menos.

Uma das estruturas deste citoesqueleto são os microtúbulos: tubos finíssimos que se formam pela acumulação de pequenas proteínas esféricas. Além de fazerem a separação normal dos cromossomas durante a divisão das células, os microtúbulos são responsáveis pela formação dos flagelos nos espermatozóides e dos cílios nas células dos pulmões.

No caso dos espermatozóides da mosca-da-fruta, estes microtúbulos formam um flagelo com dois milímetros, o que é 40 vezes maior do que o humano. A equipa, que inclui também cientistas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, em Oeiras, descobriu que o início da formação do flagelo acontece numa fase muito primária do desenvolvimento dos espermatozóides e está intimamente ligado à proteína cuja produção é comandada pelo gene BLD10.

O flagelo "tem um centro que coordena o movimento, para que este seja correcto", explica a investigadora. Esse centro é formado por dois microtúbulos, que por sua vez estão rodeados por outros nove que fazem uma circunferência. Com experiências feitas por Zita Carvalho Santos e imagens de microscopia electrónica obtidas por Pedro Machado, a equipa percebeu que é a proteína do gene BLD10 que permite o crescimento e a estabilização do primeiro microtúbulo central e, depois, num segundo momento, permite o crescimento do segundo microtúbulo.

"Quando a proteína não está lá, não se forma nem o primeiro, nem o segundo microtúbulo", diz Mónica Bettencourt Dias, explicando que estas duas peças são centrais parao movimento dos espermatozóides. "Um flagelo [sem as duas estruturas da zona central] é como uma roda sem eixo." No IGC, a equipa vai agora tentar perceber como é que esta proteína funciona exactamente.

Ainda não se estudaram os homens inférteis com uma mutação na variante humana deste gene. "É importante perceber isto."

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